O
híbrido natural entre as espécies Coffea
arábica e Coffea canephora encontrado na Ilha
de Timor foi decisivo e valioso para os programas
de melhoramento visando a resistência à
Hemileia vastatrix, agente causador da ferrugem alaranjada
do cafeeiro. Desde que introduzido no Brasil no final
da década de 60, numerosas progênies
derivadas dos mais diversos cruzamentos resultaram
no desenvolvimento de cultivares resistentes à
ferrugem, selecionadas nas principais instituições
de pesquisa. Agora, com o aprimoramento de análises
de avaliação da qualidade da bebida
e a intensificação de concursos, cultivares
derivados de Híbrido de Timor têm surpreendido
provadores e obtido bons resultados.
Os resultados de pesquisas desmistificam a idéia
de que cultivares derivados destes cruzamentos não
teriam potencial para o mercado de cafés especiais.
Destacam-se os estudos realizados na Empresa de Pesquisa
Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Universidade
Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal
de Lavras (Ufla), Instituto Agronômico de Campinas
(IAC) e Instituto Agronômico do Paraná
(Iapar), todas instituições fundadoras
do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento
do Café (CBP&D/Café), administrado
pela Embrapa Café.
Potencial
para especiais
Tese defendida por Marcelo Cláudio
Pereira, na Ufla, concluiu que a ascendência
das cultivares e progênies testadas, oriundas
ou não do Híbrido de Timor, não
apresentaram o desempenho qualitativo afetado. O trabalho
analisou as características químicas,
físico-químicas e sensoriais de 21 cultivares
de cafeeiro arábica. A análise sensorial
realizada no Laboratório de Qualidade do Café
da Epamig evidenciou como potenciais produtoras de
cafés especiais 11 materiais entre cultivares
e progênies, sendo seis destes derivados de
Híbrido de Timor. A análise seguiu a
metodologia proposta pela Brazil Speciality Coffee
Association (BSCA), tendo como atributos avaliados:
bebida, doçura, corpo, acidez, sabor, gosto
remanescente, balanço e aspecto.
Foco de estudos
Pesquisador da Epamig, Antônio
Alves Pereira, o Tonico, é um dos grandes nomes
do melhoramento do cafeeiro com ênfase na seleção
de progênies derivados do Híbrido de
Timor. A equipe coordenada por ele foi responsável
pelo lançamento de oito cultivares de café.
No Centro Tecnológico da Zona da Mata (CTZM)
e na UFV são desenvolvidos projetos de pesquisa
pertencentes ao Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento
do Café (PNP&D/Café), coordenado
pela Embrapa Café. Resultados de um desses
estudos foram apresentados na última Conferência
Internacional do Café (ASIC). Trabalho desenvolvido
por pesquisadores da Epamig e UFV concluiu que novas
cultivares derivadas de Híbrido de Timor, conduzidas
em Três Pontas, São Sebastião
do Paraíso e Patrocínio, todas em Minas
Gerais, apresentam potencial para o mercado de cafés
especiais. Seguindo a metodologia proposta pela BSCA,
Cultivares Catiguá MG2, Catiguá MG1,
Araponga MG1, Sacramento MG1 e a progênie H419-6-2-5-3
receberam pontuação acima de 90 numa
escala de 100 pontos.
Nova
imagem
Um dos juízes da Speciality
Coffee Association of America (SCAA), Jorge Hiroki
Wada, se surpreendeu ao provar uma amostra de Catiguá
MG2, cultivado na Fazenda Experimental da Epamig,
em Patrocínio, em 2007. “Foi o melhor
café que bebi durante todo o ano”, enfatiza.
Seguindo a metodologia americana, a cultivar recebeu
pontuação em torno de 90 pontos, que
segundo o provador, é algo extraordinário
para um café cultivado nas condições
do cerrado. Ele acrescentou que a amostra tinha acidez
típica do Sul de Minas e aroma cítrico
parecido com a laranja Bergamota. A boa impressão
da cultivar Catiguá MG 2 também foi
sentida pelo instrutor e chairman do comitê
de normas técnicas da SCAA, Manuel Alves. “Esta
foi a primeira vez em que um híbrido provou
a um nível sensorial acima da média”,
comenta o instrutor, lembrando que novas análises
sensoriais devem ser realizadas para confirmação
dos atributos de qualidade.
Para Ensei Neto, engenheiro químico e consultor
em Marketing e Qualidade de Cafés Especiais,
em todo cruzamento há uma mescla das diferentes
características inerentes a cada linha-mãe,
sendo que uma mesma cultivar possui desempenho diferente
em localidades distintas; sobremaneira com cultivares
híbridos.
Manejo
adequado
O programa de melhoramento do Iapar
também utiliza uma linha de Sarchimores Villa
Sarchi X Híbrido de Timor para o desenvolvimento
de novas variedades, como foi o caso do Iapar 59,
IPR 98, IPR99, IPR 104, IPR107 e IPR 108. De acordo
com o pesquisador Tumoru Sera, para se obter o potencial
de qualidade das cultivares com ascendência
híbrida, devem ser respeitadas suas características
fisiológicas, com cuidados especiais no manejo,
utilização racional do espaçamento
e adubação equilibrada. Segundo ele,
materiais que levaram 30 anos de seleção
muitas vezes não apresentam o potencial de
qualidade esperado devido a manejos inadequados.
Resgate
genealógico
O
IAC acaba de lançar a publicação
“Melhoramento Genético de Coffea Arábica:
Transferência de genes de resistência
a Hemilia Vastrix do Híbrido de Timor para
a cultivar Villa Sarchi de Coffea arábica”,
de autoria do pesquisador do IAC, Luiz Carlos Fazuoli
e do pesquisador do Centro de Investigação
das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC), Aníbal Jardim
Bettencourt. A publicação faz um resgate
histórico da população originada
do Híbrido de Timor, com destaque para as cultivares
desenvolvidas nos centros experimentais do IAC, EPAMIG,
UFV, Iapar e Fundação Procafé/MAPA.
O IAC recebeu do CIFC, a partir de 1968, numerosas
progênies F2 e F3, derivadas dos mais diversos
cruzamentos de Híbrido de Timor com cultivares
de C. arábica, que resultaram, em 2000, no
lançamento das cultivares Tupi e Obatã.
No IAC, muitos cruzamentos foram também realizados
entre Híbrido de Timor CIFC 832/1 e CIFC 832/2
com as cultivares Catuaí, Mundo Novo, Acaiá
e Icatu.
A cultivar Obatã mereceu destaque em trabalho
desenvolvido pela estudante da Université de
Rennes (França), Vanessa Paulain, orientada
pelos pesquisadores do IAC, Therezinha de Jesus Salva
e Oliveiro Guerreiro Filho. Em análise das
variavéis que influenciam a qualidade do café
em concursos promovidos pela BSCA, o Obatã
apresentou ótimo desempenho, com lotes finalistas
em duas das três edições analisadas
(2004 e 2006). Das amostras de Obatã selecionadas
nas primeiras fases dos concursos, grande porcentagem
permaneceram até a fase final, com a chancela
de um júri internacional. |