Realizou-se,
dos dias 25 a 27 de março, a XIV Fenicafé,
que reúne os principais eventos especializados
em cafeicultura irrigada do país, quiçá
do mundo: XIV Encontro, XII Feira e XI Simpósio.
Acontece em Araguari, município integrante
do triângulo mineiro, dentro da área
de cerrado, e é organizado pela Associação
de Cafeicultores de Araguari (ACA) e pelo Conselho
de Associações de Cafeicultores do Cerrado
Mineiro.
Na
solenidade de abertura, manhã do dia 25
de março, estiveram presentes as seguintes
autoridades: Gilman Viana, secretário de
Agricultura do Estado de Minas Gerais; Silas Brasileiro,
secretário-executivo do Ministério
da Agricultura; Adézio de Almeida Lima,
Vice Presidente do Banco do Brasil, Guilherme
Braga, diretor-geral do Conselho dos Exportadores
de Café do Brasil (Cecafé); Odair
Cunha, deputado federal (PT-MG); Marcos Coelho,
prefeito de Araguari (PMDB-MG); Carlos Alberto
Paulino da Costa, presidente da Cooxupé;
e Francisco Sérgio Assis, presidente do
Conselho das Associações de Cafeicultores
do Cerrado Mineiro (Caccer). |
|
Vianna fez um firme discurso sobre a necessidade dos
produtores se articularem e formularem um discurso
mais consistente e persuasivo para que possam convencer
a sociedade e os parlamentares sobre a justiça
de suas demandas. O secretário observou que
“os produtores agrícolas não estão
conseguindo participar de forma pró-ativa dos
debates ambientais”, enfatizando que, em face
das condições democráticas do
país, essa deficiência se dá por
falta de pesquisa, argumentos e articulação
política.
Silas Brasileiro, representante principal do Executivo,
usou sua voz suave para fazer duras críticas
ao movimento SOS Cafeicultura, responsável
por um protesto de produtores realizado recentemente
em Varginha. “Não é hora de dar
murro na mesa ou acusar o governo”, disse Brasileiro,
aos 300 produtores reunidos no salão de palestras
do clube Picapau, em Araguari. “A hora é
de se articular, negociar, apresentar propostas, e
não protestar”, opinou. Contou ainda
que “houve parlamentar, liderança eminente,
que propôs ao ministro da Agricultura acabar
com o CDPC”.
Ainda em seu discurso, Brasileiro lembrou que o setor
cafeeiro dispõe de um fundo próprio,
o Funcafé, com R$ 3,8 bilhões, o qual
não pode ser usado apenas para sanar problemas
de endividamento da lavoura. Brasileiro abordou a
necessidade de que as propostas sejam discutidas entre
os diferentes segmentos. “É preciso trabalhar
a cadeia café como um todo. Precisamos desenvolver
um sentimento de unidade”, disse. Brasileiro
defendeu, por fim, que os produtores se esforcem para
“renegociar suas dívidas e honrar seus
compromissos”.
Silas
Brasileiro anuncia medidas
Alguns
minutos depois, em entrevista exclusiva para a Revista
do Café, Brasileiro observou que o governo
tem feito muito pela cafeicultura. “Reduzimos
os juros de 7,5% para 3,5% ao ano, e prorrogamos o
prazo das dívidas de 6 para 13 anos”,
informou. Este ano, segundo Brasileiro, o governo
irá liberar mais de R$ 1 bilhão para
o café, sem considerar os R$ 900 milhões
para o programa de opções de venda,
que deverá ordenar cerca de 3 milhões
de sacas. Informou também que está sendo
estudada a realização de mais uma edição
do Pepro, o programa de leilões do governo,
em parceria com o setor privado, para comprar 5 milhões
de sacas, o qual contará com R$ 100 milhões,
com subsídio de até R$ 20 por saca.
Outras medidas importantes para melhorar a situação
do café brasileiro, observou Brasileiro, são:
reduzir o imposto europeu sobre o nosso solúvel,
atualmente em 9%, bem superior às tarifas cobradas
de outros países exportadores; e discutir a
possibilidade de realização do draw-back,
importação de café com vistas
à re-exportação do produto industrializado.
Sobre a safra deste ano (2009/10), estimada oficialmente
entre 37 e 39 milhões de sacas, Brasileiro
observou que o país tem um carry-over de 12
milhões de sacas, o qual deverá suprir
a provável carência de café ao
longo dos próximos doze meses. Brasileiro afirmou
também que acredita em melhora dos preços
internacionais, que deverão se estabilizar
num patamar próximo de R$ 300 a saca de 60
kg, já que não há notícia
de aumento de produção em outros países.
Os produtores do cerrado entrevistados pela Revista
do Café concordam com as críticas de
Brasileiro ao SOS Café, incluindo Francisco
Sérgio de Assis, presidente do Conselho de
Associações de Cafeicultores do Cerrado
Mineiro (Caccer). “Não adianta falar
de problemas; temos que trazer propostas. O governo
tem boa vontade”, explicou Assis, observando
que estaria havendo um “ruído de comunicação”
entre as lideranças.
Em
sua participação durante a abertura
da Fenicafé, e depois em entrevista à
Revista do Café, Sérgio
Assis observou que uma grande ajuda
que o governo poderia dar ao cafeicultor seria,
através do Banco do Brasil, criar um mecanismo
de hedge para os produtores. A idéia, explica
Assis, é muito simples: consiste em “hedgear”
o financiamento numa determinada quantidade de
sacas. Quando o produtor fosse pagar o empréstimo,
deveria pagar o valor equivalente àquela
mesma quantidade de sacas, no mesmo preço
do momento em que ele foi contraído. Assis
disse que esse mecanismo é usado em diversos
países do mundo, e que ajudaria a reduzir
a insegurança e os riscos do produtor.
Ele adiantou que diretores do BB mostraram-se
receptivos à idéia. |
|
Outra proposta aventada por Assis para melhorar a
situação do cafeicultor brasileiro é
criar maneiras sustentáveis de explorar as
jazidas de fósforo da Amazônia, presentes
em reservas indígenas. “São áreas
muito pequenas, as quais, se isoladas e exploradas
racionalmente, não representarão nenhuma
agressão ao ecossistema”, afirmou Assis,
depois de lembrar que o aumento do custo do fertilizante
tem sido um dos maiores vilões da cafeicultura
nacional.
Consumo
brasileiro de fertilizantes estável entre 20
e 22 milhões de toneladas
A Revista do Café entrevistou
alguns executivos da área de venda de fertilizantes
da Mitsui, empresa com participação
relevante no mercado. Eles explicaram que a demanda
nacional de fertilizantes tem permanecido estável
entre 20 e 22 milhões de toneladas ao ano,
aí incluindo todos os produtos. No ano passado,
disseram eles, houve de fato um abrupto aumento nos
preços, atípico, causado por um forte
crescimento do consumo na Índia e na China,
que provocou uma queda nos estoques globais. O preço
chegou a bater R$ 1.500 em agosto, mas voltou a cair
no final de 2008. Ao fim de março deste ano,
estava em R$ 800 a tonelada, com tendência a
subir um pouco (4% ou 5%) ao longo dos próximos
meses; no momento (mar/09), afirmaram eles, está
no mesmo patamar que se encontrava em igual período
de 2008. O preço permanece dentro da média
histórica. Eles lembraram que um dos problemas
do setor é a concentração dos
principais elementos em poucos países: o fósforo
é produzido sobretudo por Israel, e o potássio,
pelos Estados Unidos. As principais jazidas brasileiras
de fósforo localizam-se nas cidades de Araxá
(MG), Jacupiranga (SP), Catalã (GO), Lagamar
(MG), Irecê (BA), Patos de Minas (MG) e Itapira
(MG). A maior jazida fica em Patos de Minas –
mas a produção brasileira não
é suficiente para abastecer o mercado interno.
Produtor
baiano fala sobre cafés especiais
A
Fenicafé também nos deu oportunidade
de conhecer o casal Gianno Brito de Oliveira
e Valéria Vidigal, cafeicultor e artista plástica
(especializada na temática café). Oliveira,
43 anos, que coleciona prêmios de qualidade,
nos forneceu relevantes dados sobre seu negócio.
O produtor, cuja propriedade fica em Barra do Choça,
no planalto baiano, explicou que optou por uma cafeicultura
fortemente adensada e sem uso de quase nenhum tipo
de mecanização. “Temos mão-de-obra
abundante na região e, por causa disso, barata.
|
Empregamos
de 300 a 400 pessoas na época da colheita,
todas com carteira assinada; fora da colheita,
empregamos 45 a 50 pessoas”, informa o produtor,
que tem 150 hectares plantados de café,
com 10 mil plantas por hectare. Ele adverte, porém,
que o modelo não é para todo mundo,
pois implica em custos muito altos por hectare
e cuidados extremos com a lavoura, com uso de
grandes quantidades de insumos. “Eu tenho
mantido, ao longo dos anos, uma média de
60 sacas por hectare. Estas lavouras de 10 mil
plantas por hectare dão cerca de 70 a 80
sacas por hectare”, esclarece. Ele afirma
que já conseguiu uma produtividade recorde
de 197 sacas por hectare, numa lavoura de 11 mil
plantas / ha, com 5 anos de idade – que
é quando ocorre o pico de produção.
“Levei diversos técnicos para comprovar
este número”, informa. |
Oliveira explica que consegue 10 safras em 15 anos,
pois é preciso fazer recepa no oitavo ano e
a lavoura nova só se torna produtiva com dois
anos e meio. Pedimos para ele desenhar um gráfico
com um exercício de produtividade por hectare
durante este ciclo de 8 anos e ele fez um gráfico
assim:
Quando
o ciclo se renova, explicou Oliveira, a produção
pode vir um pouco mais alta. Ele acredita, todavia,
que cerca de 50% dos cafeicultores do planalto baiano
não realizam nenhum tipo de trato cultural.
Outros 30% fazem um trato “meia-boca”;
o restante usa tecnologias avançadas de produção.
Oliveira informa que a mão-de-obra responde
por 60% de seu custo de produção e os
insumos consomem cerca de 25%, metade com fertilizante,
metade com defensivos. Ele explica que “é
forçado a produzir café de qualidade
porque, na sua região, chove na época
da colheita”, o que lhe obriga a só colher
café 100% maduro.
O custo de produção direto obtido por
Oliveira em 2008, sem contar a depreciação,
ficou em R$ 180 a saca de 60 kg, com uma produtividade
de 60 sacas por hectare. Ele observou, porém,
que, se sua produtividade caísse para 30 sacas
por hectare, o custo explodiria para R$ 250.
Tristeza
e alegria no café |
“Por
trás de um homem triste há sempre
uma mulher feliz”, diz a canção,
e pode-se pensar nela ao observar a atual política
cafeeira. A jovem Mariana Caetano,
por exemplo, com quem conversamos durante a
Fenicafé 2009, é uma mulher feliz.
“Estamos
otimistas”, afirma a gerente-geral
da Fazenda São Lourenço, localizada
em Varjão de Minas, cerrado mineiro.
Na contramão do resto do país,
a fazenda deverá registrar uma produção
maior este ao, 16 mil sacas, contra 12 mil
em 2008, em virtude da presença de
áreas novas. Mas a razão do
otimismo não se resume a isso. Caetano
acredita em preços melhores ou estáveis
para este ano. Todavia esta ainda não
é a causa. A causa, enfim, é
o fato da empresa continuar acreditando
em seu poder de inovação e
conquista dos mercados externos. “Estamos
fazendo a nossa primeira exportação
direta, para Austrália”, diz
a moça, lembrando que, no ano passado,
conseguiu vender café por até
R$ 390 a saca de 60 kg. |
|
A
fazenda, situada em terreno totalmente plano,
tem 420 hectares irrigados e acaba de plantar
mais 120 hectares, também irrigados,
usando as variedades Icatu e Catuaí.
“Plantamos também 14 hectares de
bourbon”, informa Caetano, observando
que a variedade, embora tenha produtividade
baixa, possui compradores cativos no mercado
de cafés gourmet.
E os homens tristes de que fala a canção
de Chico Buarque? Bem, nos idos de março
último, mais exatamente na véspera
do assassinato de Júlio César
(15 de março do ano 44 antes de Cristo),
12 a 15 mil pessoas, segundo a polícia,
protestaram em Varginha, sul de Minas, contra
o governo federal. O protesto, organizado pelo
Conselho Nacional do Café (CNC), mexeu
com os brios de produtores e lideranças
do cerrado mineiro.
|
|