Fábio
Jorge, pequeno agricultor, jovem, anda famoso na região
de Valença (RJ). Ele tira 95 litros de leite,
por dia, ordenhando cinco vacas. Mais ainda. Realiza
o prodígio da produção com apenas
0,5 hectare de terra, tamanho de um campo de futebol.
Um fenômeno.
Com apoio de José Rogério, médico
veterinário, o ousado produtor revolucionou
o sítio da família. Há um ano
ele começou a participar de um projeto sobre
gerenciamento de propriedades leiteiras, parceria
carioca entre Embrapa, Federação da
Agricultura e Prefeitura local. Pois é. Existe
mais que praia no Rio de Janeiro.
O exemplo ajuda na reflexão sobre como enfrentar
a tremenda crise que se abate sobre a economia brasileira,
atingindo fortemente o setor agrícola. Desde
o ano passado, antes do plantio da atual safra, que
começa a ser colhida, já se percebia
recuo do crédito rural, comprimindo as aquisições
de insumos agrícolas. Com menor uso de tecnologia,
a estimativa mais recente do governo indica uma queda
de 6,1% na safra brasileira de grãos.
A restrição do financiamento encontrou
os produtores rurais apertados no caixa. O preço
dos fertilizantes estourou quando o petróleo
subiu para 140 dólares o barril. Para não
falar do óleo diesel, do sal mineral, do arame
de cerca, dos defensivos... tudo sobe com o petróleo.
Curioso é que agora, tendo o barril caído
para 40 dólares, pouco recuaram os preços
na roça. A perversa lógica econômica
vale na subida, nunca na descida. Estranho.
Por essas e outras aumenta o endividamento agrícola.
O problema vem lá de trás, época
inflacionária, quando o produtor rural financiava
uma máquina e devia quatro. Os bancos deitaram
e rolaram na chegada do Plano Real, engordando os
débitos a receber. Sucessivas renegociações
não obtiveram êxito, ainda mais considerando
a ocorrência, mais recentemente, de três
fortes secas, localizadas no sul-sudeste. Fora a malandragem
daqueles que emprestam para nunca pagar, contando
sempre com a prorrogação das dívidas
no Congresso. Tudo somado, estima-se que a dívida
rural, apenas com o sistema oficial de crédito,
alcance 85 bilhões de reais. Somando-se a inadimplência
com as tradings e com fornecedores, deve suplantar
100 bilhões. Quase uma safra inteira.
A crise financeira mundial chega para encontrar fragilizada
a agricultura nacional. Muitas incertezas rondam o
campo. Frigoríficos solicitam concordata, derrubando
a pecuária. Os preços internacionais
estão fracos. Aparecem calotes nas exportações.
Ninguém arrisca dizer como será o próximo
plantio, com reflexos negativos em 2010.
Nesse turbulento cenário, olhando para frente,
pergunta-se: o que vai acontecer com o agricultor?
Para muitos, certamente, vai aumentar o desânimo,
elevar o pessimismo. Alguns, desgraçadamente,
vão quebrar, perdendo patrimônio. Outros,
entretanto, na contramão da desgraceira, se
manterão altivos e otimistas. Passada a crise
aguda, da qual ninguém escapará, irão
progredir. Quem estará nessa?
Um roteiro do progresso começa com cinco questões
básicas. Enfrentá-las será fundamental
para superar a crise, preparando-se para prosperar
no campo. Primeiro, escaparão da quebradeira
aqueles agricultores que mantiverem atitude pró-ativa,
não se entregando ao fantasma da economia.
Sabe-se que, por pior que sejam os problemas econômicos,
as adversidades sempre criam novas oportunidades.
Descobri-las será uma virtude.
Segundo, vai seguir em frente no campo quem tiver
a humildade de aprender. As crises carregam boas lições.
Nas épocas de elevada prosperidade, bons preços,
mercado firme, fica fácil lucrar na atividade.
Com vacas gordas, a turma relaxa, gasta dinheiro à
toa, descuida do negócio. Mas quando as vacas
emagrecem, sobrevive apenas quem tem competência.
Hora de mostrar valor.
Em terceiro, esse apuro poderá ajudar a romper
definitivamente com o individualismo, traço
negativo da mentalidade rural. A dureza da situação
impõe seguir a cartilha do associativismo e
do cooperativismo. Grande parte dos agricultores,
aliás, já descobriu que sozinho, isolado,
quebra a cara no mercado. Juntos, organizados, vingam
mais fácil.
Em quarto lugar, cada momento difícil que afeta
a agricultura ressalta a importância do profissionalismo.
Acabou o tempo de ser amador, agricultor quebra-galho,
gigolô da terra. Investir em tecnologia e melhorar
a gestão da propriedade se torna obrigatório.
A competição produtiva exige produtividade
e qualidade.
Finalmente, vai prosperar no campo, passada a vicissitude
da conjuntura, quem adotar práticas conservacionistas
e trabalhar na agenda da sustentabilidade. Os agricultores
de amanhã serão amigos, não adversários,
do meio ambiente. Cuidarão de proteger as florestas,
a água, o solo, a biodiversidade, a paisagem
da natureza. Novas tecnologias, boas práticas
agrícolas misturadas com gestão ambiental.
Fábio Jorge bem representa o novo agricultor
brasileiro. Imagine ele enfrentando a crise com vaquinhas
esfomeadas, cheias de carrapatos. Nem pensar. Sua
atitude ousada, empreendedora, associativa, o levou
a entrar num projeto de melhoria tecnológica.
A dificuldade do presente também vai afetá-lo,
óbvio, pois o litro do leite hoje mal paga
a conta do remédio do gado. Mas ele, com certeza,
passado o momento atual, vai prosperar.
Tal possibilidade foi testemunhada dias atrás,
em Barra do Piraí, pelos participantes do encontro
da Fazenda Legal, um interessante programa conduzido
pela Federação da Agricultura do Rio
de Janeiro.
Enquanto a velha guarda vocifera as mazelas do campo,
os jovens empreendedores rurais apostam no futuro.
Em meio à perversa crise, brota a esperança
na roça.
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