Você
sabe qual a relação do aroma do café
com os feromônios, o prazer, a libido e o amor?
O aroma do café, o mais rico da natureza, nos
faz despertar e ficar logo de bom humor. O olfato
é o mais importante dos nossos sentidos para
a escolha da comida, da bebida, do namorado/namorada,
de animais de estimação, perfumes, vinhos,
lençóis e edredons. Tudo que é
mais cheiroso é mais gostoso. É o olfato
que desperta o desejo, o interesse por uma flor ou
um perfume e é ele que regula a fisiologia
da paixão. Um recém-nascido reconhece
a mãe pelo cheiro de seu leite, e assim começa
o maior e mais complicado amor de nossas vidas.
Guardamos na memória o cheiro ruim de algo
estragado com mais facilidade do que a sua imagem,
como, por exemplo, de um ovo podre. O cheirinho de
café causa efeitos misteriosos no nosso cérebro.
Como o cheirinho do amor. Será que o aroma
pode trazer prazer e saúde? O que a humanidade
deve comer e beber para viver mais e melhor? Poucos
brasileiros sabem que o café é mais
complexo que o vinho, mais barato e mais rico em compostos
saudáveis e voláteis.
O vinho varietal é feito com uma só
variedade de uva e o vinho de corte (ou de Assemblage)
é elaborado a partir de diferentes uvas. O
café também pode ser puro (varietal)
ou um blend de diferentes tipos de grãos ou
de diferentes regiões. Cada região produz
uva ou café com características e pecualiridades
únicas. Mas ações da natureza
ou do homem podem alterar as características
numa mesma região. Assim como existem safras
de vinhos maravilhosas, o mesmo ocorre com o café.
O terroir é uma peculiaridade de vinho e café.
Nascido de solo excepcional de argila azulada, o vinho
Petrus está em todas as listas dos melhores.
A Merlot é uma das uvas de vinhos tintos mais
populares do mundo, pois são menos tânicos
e amadurecem mais cedo. E o melhor da casta acontece
no Pomerol, subregião de Bordeaux, na França.
O lendário Petrus é o vinho que todo
Merlot gostaria de ser e que todo enófilo gostaria
de ter.
A palavra Terroir é uma modificação
lingüística do latim popular para “territorium”.
Designa uma extensão limitada de terra considerada
do ponto de vista de suas aptidões agrícolas.
E para reconhecer isto existem diversos profissionais.
O “Sommelier” é um profissional
de restaurante encarregado dos vinhos, desde a elaboração
da carta, compra e manutenção do vinho
na adega, aconselhamento do vinho aos clientes e o
respectivo serviço à mesa. O Enófilo,
palavra de origem grega que significa “amigo
do vinho” (enos = vinho + filos = amigo), inclui
todas as pessoas amantes do vinho, estando aí
todos os médicos e consumidores. Na atualidade,
a atenção à planta café
e seu terroir criou o café orgânico,
tradicional, superior e gourmet ou especial, café
sustentável, o espresso e, recentemente, o
excelente Nespresso da Nestlé. Uma nova profissão
surgiu, o barista, que atua como um “Sommelier”
do café. Tudo pelo prazer de tomar um gostoso
café.
A ciência dos alimentos possui conhecimentos
avançados, mas parcial, sobre a complexidade
química do café. A torrefação
dá origem a uma grande variedade de compostos
voláteis e não voláteis, todos
responsáveis pela qualidade da bebida (bebida,
aroma, sabor, corpo) além dos efeitos benéficos
para a saúde. Um bom conhecedor de café
pode obter da bebida o máximo de prazer aliado
à saúde. O café contém
mais compostos voláteis – já foram
identificados quase mil - do que qualquer outro alimento
ou bebida. Dentre esses voláteis, no grupo
dos heterocíclicos foram identificados alguns
que possuem grande impacto para o aroma final do café
torrado como o 2-furil-metanotiol, caveofurano, N-furil-2-metil-pirrol
e o metil-pirrol. Este último é formado
junto com a niacina (vitamina B3) a partir da degradação
da trigonelina, pois derivados do metil-pirrol formam
o núcleo de feromônios de insetos. Além
dos heterocíclicos existem vários outros
como alifáticos, alicíclicos e aromáticos
encontrados em baixas concentrações,
o que dificulta seu estudo quantitativo e a avaliação
de suas propriedades sensoriais. Evidentemente, uma
série de compostos voláteis apresenta
mais de uma função química, o
que dificulta a sua classificação mesmo
por um classificador ou barista experiente.
Recentemente, estudos utilizando neuroimagem funcional,
especialmente a ressonância magnética
funcional (RMf), vêm contribuindo para o estudo
da percepção olfativa e gustativa em
humanos, onde o café se destaca pela riqueza
de voláteis. Excetuando-se as sensações
gustativas percebidas na língua (paladar) como
doce, salgado, amargo e ácido, o aroma do café
é o grande responsável por seu sabor.
O café instantâneo possui os componentes
que respondem pelo “gosto” característico
mas carece de compostos aromáticos plenos.
Mas a identificação de voláteis
importantes de impacto no cérebro permitiria
seu isolamento e inclusão como um aditivo no
café solúvel, dando-lhe um aroma e sabor
natural. Assim, o aroma do café adquire suma
importância na determinação do
sabor final, onde residem as diferentes qualidades
de gratificação que correspondem aos
diferentes tipos de grãos, seu terroir e métodos
de torrefação.
Pesquisas pioneiras sobre a experiência olfativa
e gustativa do café correlatos cerebrasispor
Ressonância Magnética Funcional (RMf)
em desenvolvimento no Centro de Neurociências,
Rede LABS-D’Or, Rio de Janeiro, RJ (financiadas
pela EMBRAPA CAFÉ) mostram que voláteis
de cafés gourmet estimulam regiões vitais
para o prazer no sistema límbico como amígdala,
área tegmental ventral e núcleo acumbens,
da mesma forma como o amor e o bem-estar de uma amizade
o fazem (Figura 1).
Figura
1
Acredita-se que a principal via envolvida no prazer
é um circuito de células nervosas -
a via dopaminérgica - que se estende de uma
região do cérebro conhecida como área
tegmental ventral ao núcleo acumbens, regiões
profundas do nosso cérebro que regulam a atividade
do sistema límbico, responsável pelas
nossas emoções mais fundamentais.
Esta região envia impulsos emocionais positivos
ou negativos para o córtex cerebral. No sistema
límbico existe uma rede de conexões
entre células nervosas que liberam peptídeos
endógenos, os quais regulam o teor final de
dopamina no núcleo acumbens. Esta via parece
estar envolvida na motivação e comportamento
necessário para a sobrevivência humana,
incluindo o próprio ato da reprodução
e o apego a entes queridos. Por exemplo, a escolha
e o consumo de alimentos pode não ter sido
selecionado de forma específica no processo
evolutivo, mas através da ativação
do sistema límbico dopaminérgico, alimentos
(e drogas) podem levar a uma gratificação
e condicionamento, fortalecendo mecanismos de memória
e aprendizado. Quando algo estimula este sistema,
imediatamente é reconhecido e lembrado vividamente,
inclusive as circunstâncias que levam ao seu
uso ou consumo. Por isto, o prazer do aroma e gosto
de café guardam mistérios que a ciência
só agora ousa desvendar. Podemos prever que
no futuro o café será recomendado com
orientação médica e imagens de
RMf poderão ser obtidas para orientar os diversos
perfis aromáticos e gustativos de acordo com
a preferências e os efeitos na atividade cerebral,
trazendo, assim, o máximo de prazer e saúde.
Dr.
Darcy R. Lima, da UFRJ & Dr. Jorge Moll, do Centro
de Neurociências, Rede LABS-D’Or, Rio
de Janeiro, RJ
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