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Março 2009 - Ano 88 - Nº 829

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Você sabe qual a relação do aroma do café com os feromônios, o prazer, a libido e o amor? O aroma do café, o mais rico da natureza, nos faz despertar e ficar logo de bom humor. O olfato é o mais importante dos nossos sentidos para a escolha da comida, da bebida, do namorado/namorada, de animais de estimação, perfumes, vinhos, lençóis e edredons. Tudo que é mais cheiroso é mais gostoso. É o olfato que desperta o desejo, o interesse por uma flor ou um perfume e é ele que regula a fisiologia da paixão. Um recém-nascido reconhece a mãe pelo cheiro de seu leite, e assim começa o maior e mais complicado amor de nossas vidas.

Guardamos na memória o cheiro ruim de algo estragado com mais facilidade do que a sua imagem, como, por exemplo, de um ovo podre. O cheirinho de café causa efeitos misteriosos no nosso cérebro. Como o cheirinho do amor. Será que o aroma pode trazer prazer e saúde? O que a humanidade deve comer e beber para viver mais e melhor? Poucos brasileiros sabem que o café é mais complexo que o vinho, mais barato e mais rico em compostos saudáveis e voláteis.

O vinho varietal é feito com uma só variedade de uva e o vinho de corte (ou de Assemblage) é elaborado a partir de diferentes uvas. O café também pode ser puro (varietal) ou um blend de diferentes tipos de grãos ou de diferentes regiões. Cada região produz uva ou café com características e pecualiridades únicas. Mas ações da natureza ou do homem podem alterar as características numa mesma região. Assim como existem safras de vinhos maravilhosas, o mesmo ocorre com o café. O terroir é uma peculiaridade de vinho e café. Nascido de solo excepcional de argila azulada, o vinho Petrus está em todas as listas dos melhores. A Merlot é uma das uvas de vinhos tintos mais populares do mundo, pois são menos tânicos e amadurecem mais cedo. E o melhor da casta acontece no Pomerol, subregião de Bordeaux, na França. O lendário Petrus é o vinho que todo Merlot gostaria de ser e que todo enófilo gostaria de ter.

A palavra Terroir é uma modificação lingüística do latim popular para “territorium”. Designa uma extensão limitada de terra considerada do ponto de vista de suas aptidões agrícolas. E para reconhecer isto existem diversos profissionais. O “Sommelier” é um profissional de restaurante encarregado dos vinhos, desde a elaboração da carta, compra e manutenção do vinho na adega, aconselhamento do vinho aos clientes e o respectivo serviço à mesa. O Enófilo, palavra de origem grega que significa “amigo do vinho” (enos = vinho + filos = amigo), inclui todas as pessoas amantes do vinho, estando aí todos os médicos e consumidores. Na atualidade, a atenção à planta café e seu terroir criou o café orgânico, tradicional, superior e gourmet ou especial, café sustentável, o espresso e, recentemente, o excelente Nespresso da Nestlé. Uma nova profissão surgiu, o barista, que atua como um “Sommelier” do café. Tudo pelo prazer de tomar um gostoso café.

A ciência dos alimentos possui conhecimentos avançados, mas parcial, sobre a complexidade química do café. A torrefação dá origem a uma grande variedade de compostos voláteis e não voláteis, todos responsáveis pela qualidade da bebida (bebida, aroma, sabor, corpo) além dos efeitos benéficos para a saúde. Um bom conhecedor de café pode obter da bebida o máximo de prazer aliado à saúde. O café contém mais compostos voláteis – já foram identificados quase mil - do que qualquer outro alimento ou bebida. Dentre esses voláteis, no grupo dos heterocíclicos foram identificados alguns que possuem grande impacto para o aroma final do café torrado como o 2-furil-metanotiol, caveofurano, N-furil-2-metil-pirrol e o metil-pirrol. Este último é formado junto com a niacina (vitamina B3) a partir da degradação da trigonelina, pois derivados do metil-pirrol formam o núcleo de feromônios de insetos. Além dos heterocíclicos existem vários outros como alifáticos, alicíclicos e aromáticos encontrados em baixas concentrações, o que dificulta seu estudo quantitativo e a avaliação de suas propriedades sensoriais. Evidentemente, uma série de compostos voláteis apresenta mais de uma função química, o que dificulta a sua classificação mesmo por um classificador ou barista experiente.

Recentemente, estudos utilizando neuroimagem funcional, especialmente a ressonância magnética funcional (RMf), vêm contribuindo para o estudo da percepção olfativa e gustativa em humanos, onde o café se destaca pela riqueza de voláteis. Excetuando-se as sensações gustativas percebidas na língua (paladar) como doce, salgado, amargo e ácido, o aroma do café é o grande responsável por seu sabor. O café instantâneo possui os componentes que respondem pelo “gosto” característico mas carece de compostos aromáticos plenos. Mas a identificação de voláteis importantes de impacto no cérebro permitiria seu isolamento e inclusão como um aditivo no café solúvel, dando-lhe um aroma e sabor natural. Assim, o aroma do café adquire suma importância na determinação do sabor final, onde residem as diferentes qualidades de gratificação que correspondem aos diferentes tipos de grãos, seu terroir e métodos de torrefação.

Pesquisas pioneiras sobre a experiência olfativa e gustativa do café correlatos cerebrasispor Ressonância Magnética Funcional (RMf) em desenvolvimento no Centro de Neurociências, Rede LABS-D’Or, Rio de Janeiro, RJ (financiadas pela EMBRAPA CAFÉ) mostram que voláteis de cafés gourmet estimulam regiões vitais para o prazer no sistema límbico como amígdala, área tegmental ventral e núcleo acumbens, da mesma forma como o amor e o bem-estar de uma amizade o fazem (Figura 1).


Figura 1

Acredita-se que a principal via envolvida no prazer é um circuito de células nervosas - a via dopaminérgica - que se estende de uma região do cérebro conhecida como área tegmental ventral ao núcleo acumbens, regiões profundas do nosso cérebro que regulam a atividade do sistema límbico, responsável pelas nossas emoções mais fundamentais.

Esta região envia impulsos emocionais positivos ou negativos para o córtex cerebral. No sistema límbico existe uma rede de conexões entre células nervosas que liberam peptídeos endógenos, os quais regulam o teor final de dopamina no núcleo acumbens. Esta via parece estar envolvida na motivação e comportamento necessário para a sobrevivência humana, incluindo o próprio ato da reprodução e o apego a entes queridos. Por exemplo, a escolha e o consumo de alimentos pode não ter sido selecionado de forma específica no processo evolutivo, mas através da ativação do sistema límbico dopaminérgico, alimentos (e drogas) podem levar a uma gratificação e condicionamento, fortalecendo mecanismos de memória e aprendizado. Quando algo estimula este sistema, imediatamente é reconhecido e lembrado vividamente, inclusive as circunstâncias que levam ao seu uso ou consumo. Por isto, o prazer do aroma e gosto de café guardam mistérios que a ciência só agora ousa desvendar. Podemos prever que no futuro o café será recomendado com orientação médica e imagens de RMf poderão ser obtidas para orientar os diversos perfis aromáticos e gustativos de acordo com a preferências e os efeitos na atividade cerebral, trazendo, assim, o máximo de prazer e saúde.

Dr. Darcy R. Lima, da UFRJ & Dr. Jorge Moll, do Centro de Neurociências, Rede LABS-D’Or, Rio de Janeiro, RJ

REVISTA DO CAFÉ - INÍCIO
 
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