A
Constituição Federal prevê que
as cooperativas brasileiras devem receber tratamento
tributário específico, em virtude de
sua natureza sócio-econômica. Essa prerrogativa
legal muitas vezes é confundida com o oferecimento
de benefícios indiscriminados a esse setor
em detrimento das demais formas de organização
empresarial.
As
autoridades tributárias, no entanto, entendem
e praticam como “adequado tratamento tributário”
nada mais é que o simples reconhecimento do
Ato Cooperativo como operação não
comercial, ou seja, realizada sem fins lucrativos
e que, portanto, não gera base de cálculo
para incidência de alguns tributos.
Aliás, é exatamente isso que a Lei 5764/71,
em seu artigo 79, define:
“Denominam-se
atos cooperativos os praticados entre as cooperativas
e seus associados, entre estes e aquelas e pelas
cooperativas entre si quando associadas, para
consecução dos objetivos sociais.”
“Parágrafo
único. O ato cooperativo não implica
operação de mercado, nem contrato
de compra e venda de produto ou mercadoria.”
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O
Ato Cooperativo, nesse contexto, é entendido
como a operação que envolve cooperativa
e associado(s) em seus extremos e que é praticado
de acordo com o objetivo social do empreendimento.
Como exemplo, a entrega da produção
por parte do cooperado à sua cooperativa agropecuária
é definida como tal, uma vez que envolve a
entidade e seu quadro social e não foge ao
padrão de atividades do negócio.
A etapa posterior a esse recebimento, que envolve
beneficiamento e/ou comercialização
dos produtos entregues, não pode ser caracterizada
como ato não cooperativo à medida que
diz respeito à operação realizada
pela cooperativa em nome de seus proprietários.
Nesse caso, a organização jurídica
nada mais é do que intermediária entre
aqueles que a constituem e o mercado.
Ato não-cooperativo propriamente dito pode
ser exemplificado pela compra de produtos agrícolas
de não-associados por parte de cooperativas
agropecuárias, pela venda de mercadorias a
não-associados em cooperativas de consumo,
entre tantos outros casos que envolvem operações
rotineiras das cooperativas, mas que são esporadicamente
realizadas com não integrantes do quadro social.
Da mesma forma, a venda de um veículo usado
por uma cooperativa de crédito a um de seus
cooperados também pode ser classificada como
ato não-cooperativo, uma vez que envolve, a
despeito de ser realizada entre cooperativa e associado,
operação comercial não afeita
ao objetivo social daquela.
O resultado positivo apurado com as operações
classificadas como atos não-cooperativos, denominado
Lucro, deve ser invariavelmente transferido à
conta da Reserva de Assistência Técnica,
Educacional e Social (RATES) e só poderá
ser utilizado para financiamento das despesas oriundas
de tais atividades.
Já o resultado negativo de atos não-cooperativos
é chamado de Prejuízo e deverá
ser compensado pelo saldo da conta de Reserva Legal.
Caso esse seja insuficiente, o mesmo deve ser rateado
entre todos os que integravam o quadro social da cooperativa
no ano em que foi gerado.
Já o resultado positivo oriundo de atos cooperativos
é definido como Sobras, ou seja, o excesso
de ingressos em relação aos dispêndios
da organização. Como tal, portanto,
deve ter seu destino decidido pelos seus donos, os
cooperados, em Assembléia Geral. Essas sobras,
como o próprio nome indica, não geram
tributos como Imposto de Renda ou Contribuição
Social pela sua própria natureza, isto é,
por não serem Lucro.
Já o resultado negativo de atos cooperativos,
denominado Perdas, tem o mesmo destino observado para
o Prejuízo porventura apurado, ou seja, deve
ser compensado com o saldo da conta de Reserva Legal
e, se esse for insuficiente, rateado entre os associados.
Todas essas questões podem ser consideradas
como consenso entre o setor cooperativista e as autoridades
tributárias no Brasil. Em outras palavras,
a tributação dos resultados apurados
pela cooperativa é líquida e certa no
que diz respeito a atos não-cooperativos. Já
em relação aos atos cooperativos, não
há geração de base de cálculo
para incidência de impostos.
A polêmica está na aplicação
dos tributos incidentes sobre o faturamento desse
tipo de organização. Afinal, como comentado,
uma cooperativa agropecuária não vende
produtos de sua propriedade, mas representa seus associados
no mercado e transfere aos compradores bens, beneficiados
ou não, pertencentes a aqueles.
Nesse sentido, o ingresso de recursos pela realização
dessa operação de venda deixa dúvidas
quanto à sua classificação como
receita (faturamento) da própria instituição.
Pode-se dizer que esse ingresso nada mais representa
para a cooperativa do que uma simples dívida
a ser repassada a seu quadro social, devendo ser classificada,
portanto, como passivo, e não em conta de resultado.
De acordo com essa interpretação, a
receita propriamente dita do empreendimento seria
constituída, apenas, dos valores retidos no
momento do repasse dos ingressos de vendas aos cooperados.
Assim, a base de cálculo para incidência
de tributos como PIS e COFINS, por exemplo, seria
significativamente reduzida.
Embora não haja consenso sobre esse tema, talvez
a definição formal de sua legalidade
realmente faça jus ao que a Constituição
Federal chama de “adequado tratamento tributário”
ao setor cooperativista.
A mera não incidência de Imposto de Renda
e Contribuição Social sobre as Sobras
de uma cooperativa nada mais é do que a aplicação
inequívoca da lei, sem nenhum tipo de tratamento
diferenciado a essa organização que
impulsiona o desenvolvimento social e econômico
de seus integrantes e de sua região.
Não se pode dizer que apenas esse reconhecimento
do que deveria ser indiscutível configura-se
como o que é prerrogativa constitucional do
setor cooperativista. As cooperativas, como Sociedade
de Pessoas, disputam mercado com organizações
empresariais que concentram no Capital seu poder de
decisão e, consequentemente, possuem estrutura
administrativa mais ágil e menor comprometimento
com as questões sociais que envolvem suas atividades.
Nesse contexto, o reconhecimento do simples papel
de intermediação que as cooperativas
realizam entre produtores e mercado pelo governo poderia
ser caracterizado, sim, como “adequado tratamento
tributário” ao setor.
Esse tipo de medida, ao contrário do que muitos
afirmam, não significa favorecimento indiscriminado
a um setor, mas a simples consolidação
de um sistema de incentivo àqueles que exercem
suas atividades de acordo com rígidos princípios
de responsabilidade social, definidos e praticados
muito antes do atual momento de preocupação
com esse tipo de atitude.
Brício
dos Santos Reis
Professor Adjunto (Curso de Graduação
em Gestão de Cooperativas e Programa de Pós-graduação
em Economia Aplicada) do Departamento de Economia
Rural da Universidade Federal de Viçosa.
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