Norma
que regulamenta o trabalho nas lavouras preocupa produtores
de São Paulo e Minas Gerais, que sugerem mais
lisura na fiscalização
Quando
foi criada, em março de 2005, ninguém
imaginava que a “Norma Regulamentadora de Segurança
e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária,
Silvicultura, Exploração Florestal e
Aqüicultura”, popularmente conhecida como
NR 31, daria tanta dor de cabeça aos cafeicultores
das regiões de São Paulo e Minas Gerais.
Em verdade, a classe produtora concorda com a existência
de um conjunto de leis para os trabalhadores do campo,
“mas acreditamos também que, com a imposição
de um padrão tão rígido, estamos
em situação melhor que os países
do primeiro mundo e por isso, defendemos uma contrapartida
aos cafeicultores”, explica José Carlos
Duarte da Conceição, que mantém
uma propriedade de 530 hectares em Bambui, de onde
sairá uma produção de 6 mil sacas
este ano.
Extensa, a norma, que se prolonga por cerca de 30
páginas, nasceu com o objetivo de estabelecer
os preceitos a serem observados no ambiente de trabalho,
de forma a tornar compatível o desenvolvimento
da agricultura com a segurança e a saúde
do trabalhador rural. Na teoria, o fundamento da norma
é bastante nobre, mas na prática que
está acontecendo é uma grande polêmica
em torno do tema. “O problema é que as
fiscalizações são realizadas
com intuito punitivo e não para orientar os
produtores”, acrescenta Conceição.
Muitas são as reclamações de
cafeicultores que foram autuados, mas que não
se consideram infratores, uma vez que vários
parágrafos da norma são passíveis
de mais de uma interpretação. Um exemplo
do tipo de polêmica que o assunto anda causando
pode ser medido pelo item que se refere à sinalização.
O parágrafo 15 prevê que as vias de acesso
de circulação interna do estabelecimento
devem ser sinalizadas de forma visível durante
o dia e a noite. Mas a que tipo de sinalização
a norma se refere?
Outro ponto de dúvida se refere ao parágrafo
14, que diz que as pilhas de materiais armazenados
deverão ser dispostas de forma que não
ofereçam riscos de acidentes. Mas o que são
pilhas dispostas de forma segura? Cafeicultores reclamam
que questões como essas ficam ao sabor dos
humores dos fiscais, que dificilmente orientam os
proprietários sobre as modificações
a serem adotadas, multando-os logo na primeira visita.
“Eles ficam procurando algo errado para poder
realizar a infração”, diz um cafeicultor
do município mineiro de Cabo Verde, que prefere
não ser identificado. Em um documento elaborado
pelo grupo de trabalho "Caminhos para o Café",
organizado pela Sociedade Rural Brasileira (SRB),
os cafeicultores contestam alguns pontos da norma
que não são claros, mas que ainda assim
originam a ocorrência de infrações.
Segundo o diretor do departamento de café da
SRB, Luiz Marcos Suplicy Hafers, o setor defende a
aplicação de normas que protejam o trabalhador,
mas que não sejam contra o empregador. “De
dois anos pra cá, a pressão aumentou
muito. Além disso, a aplicabilidade da penalidade
está a critério do fiscal. Isso é
altamente polêmico, visto que eles tem uma participação
indireta no volume arrecadado”, afirma Conceição.
O produtor se refere à portaria Interministerial
96/2007 MTE/MP que aumenta os vencimentos dos agentes
da fiscalização, por meio do maior número
de autuações obtidas com a fiscalização,
denominada “Gratificação de Incremento
da Fiscalização e da Arrecadação”.
Além disso, de acordo com o decreto 4552/2002
que trata do regulamento da Inspeção
do Trabalho, o agente de fiscalização
tem amplos poderes de apurar o que considera riscos
ou descumprimento da legislação, de
maneira que a NR 31, em função dos diversos
laconismos da caracterização de riscos,
autoriza que o fiscal determine o que entende por
situação de risco ou descumprimento
da norma. Em função de tamanha desordem,
os produtores são autuados de várias
maneiras. “A multa mais recente que levei, ocorreu
em função do fato de o livro de registro
da fazenda estar no escritório do contador,
que fica na cidade”, conta Conceição,
que foi alvo de outras penalidades nos últimos
anos. Uma outra multa foi emitida dois anos atrás
porque os tratores da fazenda de Conceição
não tinham capota, sinalizador de ré
e pisca-pisca.
“Procuramos um fornecedor que pudesse nos vender
estes equipamentos, mas naquela época ninguém
vendia essas peças avulsas”, lembra.
Há também a necessidade de colocação
de barracas sanitárias nos cafezais para uso
dos funcionários. “Antes elas podiam
ser de lona, agora os fiscais exigem que seja banheiro
químico”, afirma o cafeicultor de Cabo
Verde, região que produz 350 mil sacas de café
por ano. Para a resolução de tais questões,
que afetam substancialmente o dia-a-dia das fazendas
principalmente na época de colheita, os produtores
sugerem que a atuação do fiscal de trabalho
seja pautada em critérios claros e definidos
em lei, que a fiscalização do trabalho
rural deixe de ser caso de polícia, que a remuneração
dos fiscais seja totalmente desvinculada das autuações,
e que haja mecanismos para subsidiar o produtor rural
na implantação das condições
de trabalho exigidas pela norma, não só
no que diz respeito as relações e condições
de trabalho, mas também no que tange à
sustentabilidade “de modo que as adversidades
que enfrentamos hoje sejam um diferencial no mercado
internacional”, avalia Conceição.
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