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Setembro 2008 - Ano 87 - Nº 827

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Estudos que vêm sendo divulgados sobre as mudanças climáticas que ocorrem em todo o mundo, sobretudo relacionadas à elevação da temperatura média do ar, têm trazido uma série de incertezas a diversos seguimentos econômicos. Na agricultura, por se desenvolver de forma muito correlacionada às condições ambientais presentes numa dada região, ou seja, por ter as áreas delimitadas como aptas, marginais ou mesmo inaptas a determinadas explorações em função dessas condições climáticas, o efeito desses anúncios deixa os agricultores e o mercado sempre apreensivos.

Para a cafeicultura brasileira, essa preocupação não é diferente, pelo contrário, uma vez que as duas espécies cultivadas comercialmente, arábica e robusta ou conilon, se desenvolvem adequadamente em faixas relativamente estreitas de variações climáticas, notadamente do balanço e distribuição hídrica e, principalmente, da temperatura do ar.

O aumento da temperatura média do ar registrado nos últimos anos é incontestável. Contudo, uma série de reflexões se faz necessária para que não percamos o controle sobre os fatos e não nos tornemos vítimas de conclusões precipitadas, mas que, por outro lado, utilizemos as informações que dispomos para nos preparar de forma apropriada para buscar soluções eficazes ao adequado enfrentamento da questão. Neste aspecto, é apropriado que se relembre aqui as especulações a respeito da provável devastação da cafeicultura brasileira quando da eminente “entrada” da ferrugem em nossos cultivos. Apesar da importância da doença, as instituições de pesquisa se dedicaram a estudar meios de reduzir os danos por ela causados e vêm atuando desde então para contornar o problema de forma a manter a atividade prosperando, agora, necessariamente, sob a ótica de novas e adequadas práticas impostas pelo novo fator limitador.

Inicialmente, é fundamental aferir junto aos grupos de cientistas que se dedicam a esta área do conhecimento em todo o mundo, quais são realmente os números que melhor refletem a realidade, ou seja, continuando o processo de aquecimento global nas mesmas proporções que vem ocorrendo nos últimos anos, quais seriam nas próximas décadas os aumentos de temperatura do ar, já que tratamos aqui de modelos de previsão de longo prazo, alguns dos quais, segundo especialistas da área, deixam a desejar quanto a precisão.

Lavoura de café com eucalipto

Muitos citam que, até por volta de 2040 teríamos uma elevação da temperatura média da ordem de 3ºC, enquanto outros citam uma elevação de 2ºC nesse período e de 7°C até o ano de 2100.

Uma vez aceitos como sendo os modelos mais confiáveis, e definidos os números como os mais próximos à realidade do futuro, bem como os efeitos das mudanças climáticas nos inúmeros aspectos da vida de toda humanidade, é preciso que se leve em consideração a reação da sociedade frente à expectativa das alterações a que será submetida. Não cremos que à sociedade passará despercebida uma questão de tamanha relevância, e que a mesma não exija a tomada de medidas que reduzam as atividades que hoje levam a esses efeitos, o que por si, contribuiria para a desaceleração do aquecimento e redução dos efeitos perniciosos, ao menos no curto período de tempo. Assim, caso seja este um raciocínio sensato, há necessidade de que se trabalhe considerando alguns diferentes cenários que podem vir a ocorrer em função das atitudes que forem tomadas. Acreditamos que teremos cenários mais favoráveis do que o previsto em caso de não serem adotadas quaisquer medidas.

No que se refere à cafeicultura, é também necessário que se considerem as recomendações resultantes de trabalhos de pesquisa que vêm sendo conduzidos já há algum tempo, e adotar as medidas necessárias para reduzir os impactos dessa elevação da temperatura mesmo considerando cenários menos impactantes, alguns dos quais já citados em vários depoimentos de especialistas no assunto, tais como:
- Opção pelo plantio de cultivares mais rústicas, cujo comportamento agronômico seja menos afetado pelo aumento da temperatura ambiente e/ou maior estresse hídrico, geralmente associado a essa elevação de temperatura;
- Adoção de sistemas de cultivo que exponham menos o solo à insolação direta, mantendo-o com maior teor de umidade e o ambiente mais fresco na parte interna das copas das plantas, tais como a utilização de roçadas em vez de capinas, uso de cobertura morta do solo, controle de pragas e doenças prevenindo o desfolhamento da planta, nutrição adequada e proporcional às produtividades alcançadas, etc;
- Escolha das áreas expostas ao sol da manhã e menos sujeitas a ventos fortes;
- Utilização racional de irrigação permitindo que a cultura se estabeleça em áreas antes consideradas marginais ou mesmo inaptas por apresentarem deficiência hídrica acentuada. Esta prática tem sido usada com êxito em muitas regiões de baixa altitude, nas quais a temperatura média é considerada elevada;
- Arborização e/ou consorciação das lavouras com vistas a reduzir a temperatura do ar no ambiente que interage mais diretamente com o cafeeiro, além de reduzir o efeito danoso do vento na cultura, proporcionando ainda, renda adicional e estabilidade aos cafeicultores.
- Adoção de menores espaçamentos, já que cultivos mais adensados tendem a manter menores temperaturas nas partes mais baixas da planta, além de contribuir com efeito adicional de manter maior umidade do solo, por reduzir as perdas de água por evaporação.
- Estímulo à adoção de técnicas produtivas com baixo impacto ambiental, que há muito deixaram de ser vistas como forças necessariamente opostas nos caminhos que levam à competitividade econômica.

Muitas são, enfim, as técnicas que atualmente se encontram disponíveis para uma mais adequada convivência com temperaturas mais elevadas. Este fato, contudo, não indica que nossas preocupações possam ser diminuídas. Precisamos avançar muito, e agora, conhecendo a cada dia mais profundamente os riscos do fenômeno em questão, avançar mais rapidamente na busca de alternativas que sejam aplicadas com cada vez mais eficiência nos diferentes sistemas de cultivo existentes nas regiões produtoras de café do país.


Lavoura de café com seringueira
A pesquisa precisa ser cada vez mais implementada com vistas a oferecer aos cafeicultores tecnologias capazes de reduzir os riscos e aumentar a competitividade da atividade. Em cada um dos itens anteriormente citados como sendo aptos para atuar reduzindo os efeitos da elevação de temperatura sobre o desempenho das lavouras cafeeiras, muito ainda se pode fazer, pois muitas das informações que possuímos, foram geradas de forma secundária, ou seja, são conhecimentos originários de trabalhos que não possuíam este objetivo principal e que, portanto, são passíveis de serem substancialmente refinados.

No que diz respeito a materiais genéticos, precisamos conhecer quais as características agronômicas do cafeeiro estão correlacionadas com o fato de serem menos influenciadas pelo cultivo em locais com temperaturas mais altas ou em presença de outras formas de estresses proporcionados pelas mudanças climáticas. Precisamos buscar nos trabalhos de melhoramento genético a serem implementados, boas matrizes que acumulem, além das características até então utilizadas como pressão de seleção (alta produtividade, boa qualidade de bebida, resistência à pragas e doenças, etc), outras, relacionadas a seu desempenho em relação a ambientes tidos como desfavoráveis. Buscar priorizar a recomendação de cultivares com adaptação ampla, ou seja, boa adaptação a várias condições ambientais. Precisamos encontrar marcadores de forma ou constituição genética que nos permitam selecionar tais matérias em menos tempo e investir em processos biotecnológicos que possibilitem transferir essas características para materiais comerciais demandando menos custo e menos tempo.

É necessário que se conheçam quais as espécies a serem usadas nos cultivos sombreados mais adequadas para cada região produtora de café. Aquelas que mais renda podem agregar. As que não venham a se constituir em ameaça ao cafeeiro por serem hospedeiras de pragas ou doenças comuns. É necessário conhecer o número de arvores e o arranjo espacial de cada espécie nas lavouras de café em cada região para que sejam adequadamente usadas como sombreamento.

Para cada possibilidade que se vislumbra para ser utilizada como fator potencial na mitigação dos efeitos da elevação da temperatura do ar, é muito importante que se tenha sempre em mente a necessidade de que esses processos passem por aprimoramentos constantes, o que caracteriza a necessidade de um contínuo esforço na realização de pesquisa científica. Contudo, no curto prazo, há uma premente necessidade de que sejam investidos maciçamente recursos na transferência do conhecimento até então acumulado, para que devidamente apropriado pelos cafeicultores, reduza ao máximo os riscos da atividade, especialmente quanto às novas ameaças relacionadas às mudanças climáticas e a fundamental condição de que se mantenham competitivos.

Possuímos hoje uma grande oportunidade no que tange a ameaça do aquecimento global, uma vez que estamos tratando de um fenômeno anunciado com efeitos mais importantes no longo prazo. Temos todas as razões que justificam nossa intranqüilidade sobre a questão, porém possuímos um aparato de pesquisa e transferência de tecnologia capaz de municiar a cafeicultura de técnicas adequadas para superar também mais este desafio. Contudo, é necessário que atitudes urgentes sejam tomadas no sentido de frear o processo, já que quanto mais intenso e rápido, mais complexas serão também suas soluções.

Por fim, entendemos também ser necessário lembrar que “mudanças climáticas” vão muito além da elevação de temperatura ou de deficiência hídrica, mas envolve uma interação entre esses e muitos outros fatores, especialmente relacionados à fisiologia da planta, que não podem ser analisados isoladamente, tornando ainda mais complexa a análise dos efeitos e a proposição de meios para superar os desafios impostos. Os cenários apresentados por especialistas precisam ser levados a sério e as medidas propostas, operacionalizadas no curto prazo.

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