Estudos
que vêm sendo divulgados sobre as mudanças
climáticas que ocorrem em todo o mundo, sobretudo
relacionadas à elevação da temperatura
média do ar, têm trazido uma série
de incertezas a diversos seguimentos econômicos.
Na agricultura, por se desenvolver de forma muito
correlacionada às condições ambientais
presentes numa dada região, ou seja, por ter
as áreas delimitadas como aptas, marginais
ou mesmo inaptas a determinadas explorações
em função dessas condições
climáticas, o efeito desses anúncios
deixa os agricultores e o mercado sempre apreensivos.
Para a cafeicultura brasileira, essa preocupação
não é diferente, pelo contrário,
uma vez que as duas espécies cultivadas comercialmente,
arábica e robusta ou conilon, se desenvolvem
adequadamente em faixas relativamente estreitas de
variações climáticas, notadamente
do balanço e distribuição hídrica
e, principalmente, da temperatura do ar.
O aumento da temperatura média do ar registrado
nos últimos anos é incontestável.
Contudo, uma série de reflexões se faz
necessária para que não percamos o controle
sobre os fatos e não nos tornemos vítimas
de conclusões precipitadas, mas que, por outro
lado, utilizemos as informações que
dispomos para nos preparar de forma apropriada para
buscar soluções eficazes ao adequado
enfrentamento da questão. Neste aspecto, é
apropriado que se relembre aqui as especulações
a respeito da provável devastação
da cafeicultura brasileira quando da eminente “entrada”
da ferrugem em nossos cultivos. Apesar da importância
da doença, as instituições de
pesquisa se dedicaram a estudar meios de reduzir os
danos por ela causados e vêm atuando desde então
para contornar o problema de forma a manter a atividade
prosperando, agora, necessariamente, sob a ótica
de novas e adequadas práticas impostas pelo
novo fator limitador.
Inicialmente,
é fundamental aferir junto aos grupos de
cientistas que se dedicam a esta área do
conhecimento em todo o mundo, quais são
realmente os números que melhor refletem
a realidade, ou seja, continuando o processo de
aquecimento global nas mesmas proporções
que vem ocorrendo nos últimos anos, quais
seriam nas próximas décadas os aumentos
de temperatura do ar, já que tratamos aqui
de modelos de previsão de longo prazo,
alguns dos quais, segundo especialistas da área,
deixam a desejar quanto a precisão. |
Lavoura de café com eucalipto |
Muitos
citam que, até por volta de 2040 teríamos
uma elevação da temperatura média
da ordem de 3ºC, enquanto outros citam uma elevação
de 2ºC nesse período e de 7°C até
o ano de 2100.
Uma vez aceitos como sendo os modelos mais confiáveis,
e definidos os números como os mais próximos
à realidade do futuro, bem como os efeitos
das mudanças climáticas nos inúmeros
aspectos da vida de toda humanidade, é preciso
que se leve em consideração a reação
da sociedade frente à expectativa das alterações
a que será submetida. Não cremos que
à sociedade passará despercebida uma
questão de tamanha relevância, e que
a mesma não exija a tomada de medidas que reduzam
as atividades que hoje levam a esses efeitos, o que
por si, contribuiria para a desaceleração
do aquecimento e redução dos efeitos
perniciosos, ao menos no curto período de tempo.
Assim, caso seja este um raciocínio sensato,
há necessidade de que se trabalhe considerando
alguns diferentes cenários que podem vir a
ocorrer em função das atitudes que forem
tomadas. Acreditamos que teremos cenários mais
favoráveis do que o previsto em caso de não
serem adotadas quaisquer medidas.
No que se refere à cafeicultura, é também
necessário que se considerem as recomendações
resultantes de trabalhos de pesquisa que vêm
sendo conduzidos já há algum tempo,
e adotar as medidas necessárias para reduzir
os impactos dessa elevação da temperatura
mesmo considerando cenários menos impactantes,
alguns dos quais já citados em vários
depoimentos de especialistas no assunto, tais como:
- Opção pelo plantio de cultivares mais
rústicas, cujo comportamento agronômico
seja menos afetado pelo aumento da temperatura ambiente
e/ou maior estresse hídrico, geralmente associado
a essa elevação de temperatura;
- Adoção de sistemas de cultivo que
exponham menos o solo à insolação
direta, mantendo-o com maior teor de umidade e o ambiente
mais fresco na parte interna das copas das plantas,
tais como a utilização de roçadas
em vez de capinas, uso de cobertura morta do solo,
controle de pragas e doenças prevenindo o desfolhamento
da planta, nutrição adequada e proporcional
às produtividades alcançadas, etc;
- Escolha das áreas expostas ao sol da manhã
e menos sujeitas a ventos fortes;
- Utilização racional de irrigação
permitindo que a cultura se estabeleça em áreas
antes consideradas marginais ou mesmo inaptas por
apresentarem deficiência hídrica acentuada.
Esta prática tem sido usada com êxito
em muitas regiões de baixa altitude, nas quais
a temperatura média é considerada elevada;
- Arborização e/ou consorciação
das lavouras com vistas a reduzir a temperatura do
ar no ambiente que interage mais diretamente com o
cafeeiro, além de reduzir o efeito danoso do
vento na cultura, proporcionando ainda, renda adicional
e estabilidade aos cafeicultores.
- Adoção de menores espaçamentos,
já que cultivos mais adensados tendem a manter
menores temperaturas nas partes mais baixas da planta,
além de contribuir com efeito adicional de
manter maior umidade do solo, por reduzir as perdas
de água por evaporação.
- Estímulo à adoção de
técnicas produtivas com baixo impacto ambiental,
que há muito deixaram de ser vistas como forças
necessariamente opostas nos caminhos que levam à
competitividade econômica.
Muitas são, enfim, as técnicas que atualmente
se encontram disponíveis para uma mais adequada
convivência com temperaturas mais elevadas.
Este fato, contudo, não indica que nossas preocupações
possam ser diminuídas. Precisamos avançar
muito, e agora, conhecendo a cada dia mais profundamente
os riscos do fenômeno em questão, avançar
mais rapidamente na busca de alternativas que sejam
aplicadas com cada vez mais eficiência nos diferentes
sistemas de cultivo existentes nas regiões
produtoras de café do país.
Lavoura de café com seringueira |
A
pesquisa precisa ser cada vez mais implementada
com vistas a oferecer aos cafeicultores tecnologias
capazes de reduzir os riscos e aumentar a competitividade
da atividade. Em cada um dos itens anteriormente
citados como sendo aptos para atuar reduzindo
os efeitos da elevação de temperatura
sobre o desempenho das lavouras cafeeiras, muito
ainda se pode fazer, pois muitas das informações
que possuímos, foram geradas de forma secundária,
ou seja, são conhecimentos originários
de trabalhos que não possuíam este
objetivo principal e que, portanto, são
passíveis de serem substancialmente refinados. |
No que diz respeito a materiais genéticos,
precisamos conhecer quais as características
agronômicas do cafeeiro estão correlacionadas
com o fato de serem menos influenciadas pelo cultivo
em locais com temperaturas mais altas ou em presença
de outras formas de estresses proporcionados pelas
mudanças climáticas. Precisamos buscar
nos trabalhos de melhoramento genético a serem
implementados, boas matrizes que acumulem, além
das características até então
utilizadas como pressão de seleção
(alta produtividade, boa qualidade de bebida, resistência
à pragas e doenças, etc), outras, relacionadas
a seu desempenho em relação a ambientes
tidos como desfavoráveis. Buscar priorizar
a recomendação de cultivares com adaptação
ampla, ou seja, boa adaptação a várias
condições ambientais. Precisamos encontrar
marcadores de forma ou constituição
genética que nos permitam selecionar tais matérias
em menos tempo e investir em processos biotecnológicos
que possibilitem transferir essas características
para materiais comerciais demandando menos custo e
menos tempo.
É necessário que se conheçam
quais as espécies a serem usadas nos cultivos
sombreados mais adequadas para cada região
produtora de café. Aquelas que mais renda podem
agregar. As que não venham a se constituir
em ameaça ao cafeeiro por serem hospedeiras
de pragas ou doenças comuns. É necessário
conhecer o número de arvores e o arranjo espacial
de cada espécie nas lavouras de café
em cada região para que sejam adequadamente
usadas como sombreamento.
Para cada possibilidade que se vislumbra para ser
utilizada como fator potencial na mitigação
dos efeitos da elevação da temperatura
do ar, é muito importante que se tenha sempre
em mente a necessidade de que esses processos passem
por aprimoramentos constantes, o que caracteriza a
necessidade de um contínuo esforço na
realização de pesquisa científica.
Contudo, no curto prazo, há uma premente necessidade
de que sejam investidos maciçamente recursos
na transferência do conhecimento até
então acumulado, para que devidamente apropriado
pelos cafeicultores, reduza ao máximo os riscos
da atividade, especialmente quanto às novas
ameaças relacionadas às mudanças
climáticas e a fundamental condição
de que se mantenham competitivos.
Possuímos hoje uma grande oportunidade no que
tange a ameaça do aquecimento global, uma vez
que estamos tratando de um fenômeno anunciado
com efeitos mais importantes no longo prazo. Temos
todas as razões que justificam nossa intranqüilidade
sobre a questão, porém possuímos
um aparato de pesquisa e transferência de tecnologia
capaz de municiar a cafeicultura de técnicas
adequadas para superar também mais este desafio.
Contudo, é necessário que atitudes urgentes
sejam tomadas no sentido de frear o processo, já
que quanto mais intenso e rápido, mais complexas
serão também suas soluções.
Por fim, entendemos também ser necessário
lembrar que “mudanças climáticas”
vão muito além da elevação
de temperatura ou de deficiência hídrica,
mas envolve uma interação entre esses
e muitos outros fatores, especialmente relacionados
à fisiologia da planta, que não podem
ser analisados isoladamente, tornando ainda mais complexa
a análise dos efeitos e a proposição
de meios para superar os desafios impostos. Os cenários
apresentados por especialistas precisam ser levados
a sério e as medidas propostas, operacionalizadas
no curto prazo.
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