A
ligação de Almir Filho, recém-empossado
presidente da Associação Brasileira
da Indústria do Café (ABIC), com a economia
cafeeira, teve um início precoce. Com cinco
ou seis anos, na mesma época em que ingressou
no colégio, Almir recebeu seu primeiro encargo
profissional. Seu pai, um cafeicultor obcecado com
sua atividade, instruiu Almir a levar, diariamente,
um bule de café, ou chaleira, para o pessoal
que trabalhava no armazém de beneficiamento.
“O armazém ficava a uns 250 metros de
casa. Eu ia até lá, entregava o bule,
depois ia para o colégio”, explica Almir.
As xícaras, que ele também levava, iam
amarradas ao bule por um barbante.
Esse foi o primeiro passo de uma longa carreira ligada
ao setor. Depois de trabalhar no viveiro de café
com apenas nove anos, Almir recebeu outra importante
missão: plantar uma lavoura de café.
Tinha treze anos e já sabia dirigir um caminhão.
À frente de uma turma de trabalhadores, limpou
uma mata, com fogo, preparando o terreno para receber
as mudas. “Aí aconteceu um fato desagradável”,
lembra Almir. “A gente trabalhava o dia inteiro,
fazendo a queimada e eu errei no aceiro (limpeza que
você faz ao redor da área a ser queimada,
para restringir o fogo àquele espaço)
e o fogo chegou também às matas vizinhas.
Tive que bater de porta em porta, nas propriedades
atingidas, pedindo desculpas. Depois a mata se recuperou
naturalmente.”
Almir conta que, ao mesmo tempo em que cuidava da
limpeza do terreno, preparava as mudas. Plantou mudas
da variedade Mundo Novo, em espaço de 4 metros
de rua e 2 metros de pé a pé, com dois
pés por cova. “Essa lavoura durou mais
de vinte anos”, observa Almir, “e foi
o meu início como cafeicultor”. Tudo
isso se passou em Rosário da Limeira, sul de
Minas Gerais, onde até hoje Almir possui lavouras
de café, cultivando variedades bourbon amarelo
e vermelho, que utiliza em sua indústria, a
Café Toko.
Na verdade, quem começou tudo foi o avô,
um cafeicultor que usava mão-de-obra familiar
para cultivar três hectares de café,
numa propriedade de 8 hectares. O pai prosseguiu na
atividade e Almir veio em seguida.
O ingresso no segmento de torrefação
e moagem aconteceu no Natal de 1975. Um vizinho, João
da Costa Leite, possuía uma pequena torrefação,
que produzia a marca Chantecler. Leite anunciara,
naquele mesmo dia, que estava encerrando as atividades
de sua empresa. Então Almir, que é nascido
em 1957 e portanto tinha dezoito anos, foi até
a casa de Leite e propôs pagar todas as suas
dívidas, em troca da fábrica e da marca.
Leite pediu alguns minutos, foi até a cozinha
consultar a esposa, voltou e disse sim. “Foi
o negócio mais rápido da minha vida”,
conta Almir. Depois do Natal e Ano Novo, os papéis
foram assinados e Almir entrava oficialmente no setor
de torrefação e moagem.
Perguntando sobre o que é melhor, ser produtor
ou torrefador, Almir diz que, no momento, é
melhor ser torrefador. Apesar das dificuldades que
a indústria também enfrenta, a produção
vive uma situação pior, sobretudo com
o recente aumento dos custos de produção,
puxado pela alta do preço dos fertilizantes
e da mão-de-obra. “Produzir café
realmente está muito difícil”,
diz Almir. Para ele, os preços do café
estão muito defasados, tanto para o produtor
quanto para o consumidor. “Se os preços
não se ajustarem, o setor pode sofrer problemas
de abastecimento no futuro”, alerta o industrial.
Ele explica que, historicamente, o café correspondeu
de 4% a 6% do salário mínimo, e hoje
corresponde apenas a 2%. “Se você fizer
um cálculo simples, verá que o café
está mais barato que água. Um quilo
de café torrado produz 10 a 20 litros de café
líquido; um quilo custando R$ 18, o litro de
café sai por R$ 1 a R$ 1,2”, argumenta.
Almir observa que, desde 2002, o café não
tem aumento de preço e que, nos últimos
15 anos, o preço do café subiu apenas
30%, enquanto o salário mínimo subiu
quase 500%. “É preciso dar condições
de rentabilidade para toda a cadeia”, adverte
o presidente da Abic.
Leia a seguir a entrevista completa de Almir Filho
para a Revista do Café.
Revista
do Café: Conte um pouco da sua história
de vida. Como você começou a trabalhar
com o café?
Almir Filho:
Sou filho de cafeicultor e maquinista, neto de cafeicultor
e maquinista. Iniciei no café na mesma época
que entrei para a escola: tinha como dever, levar
a chaleira de café ao armazém (máquina
de beneficiamento de café), para consumo dos
companheiros (funcionários) que ali trabalhavam.
Aos nove anos, produzi mudas de café (viveiro
de mudas) e aos treze já dirigia caminhão,
um Ford F-600 à gasolina. No mesmo ano plantei
a primeira lavoura de café. Estudava e trabalhava
até me tornar técnico em contabilidade,
fiz vestibular para Direito, mas não foi possível
freqüentar a Faculdade. Assumi a gestão
dos negócios em 1975 e iniciamos na indústria
em 1980 com o café Chantecler.
RC: Na sua opinião, o consumo
per capita brasileiro ainda tem muito espaço
para crescer? Por que você acha isso?
AF:
Há muito espaço sim. Entendo que devemos
desenvolver o consumo de forma significativa. A qualidade
vai melhorar e o desafio da segunda xícara
será vencido. As cafeterias são fundamentais
nesse trabalho de difusão da qualidade e na
conquista de novos consumidores, principalmente os
mais jovens, que gostam de cappuccinos e de drinques
à base de café, gelados ou quentes.
Já as máquinas de pequeno porte para
‘espresso’, com ou sem sachê, também
estão contribuindo para mudança de hábitos
nos lares, nos escritórios, consultórios
e academias.
RC: Até pouco tempo, as indústrias
reclamavam da rentabilidade baixa, às vezes
negativa, que levou muitas empresas a abandonarem
a atividade e outras a se fundirem a companhias maiores.
Também houve um processo de desnacionalização
muito forte, com a venda do Pilão para Sara
Lee e da Três Corações para a
Elite. Como está a situação agora
e, na sua opinião, ainda poderá haver
maior entrada de estrangeiros no mercado de torrefação
nacional?
AF:
A Indústria continua sem rentabilidade, em
sua maioria operando no vermelho, entendo que muitos
Industriais abandonarão a atividade e outros
surgirão. Acredito em novos entrantes com capital
nacional e internacional, bem como uma combinação
dos dois; mas é bom considerarmos que indústrias
nacionais podem buscar a internacionalização
de suas atividades participando de outros mercados
e oferecendo no mercado doméstico cafés
com blends de várias origens.
RC: Quais são os projetos
da ABIC para 2008 e 2009? Qual o diferencial de sua
gestão em relação às anteriores?
AF:
Primeiro vamos falar de gestão. Meus antecessores
são pessoas polidas, conciliadoras. Eu sou
menos tolerante, mas a gestão em si não
muda, pois fui vice do Guivan, que agora é
meu vice; sempre estivemos alinhados e a ABIC tem
estilo próprio. Quanto a projetos entendemos
que é hora de agir em benefício da sustentabilidade.
Chega de extrativismos, de benesses do governo. O
momento requer economia de mercado com remuneração
justa aos cafeicultores, lucratividade aos demais
agentes da cadeia, inclusive os canais de distribuição;
e qualidade com preços justos ao consumidor.
A ABIC possui um conjunto de programas que se complementam.
Vamos juntar tudo isso em uma nova ordem de propósitos.
RC: Quais são, na sua opinião,
os gargalos (problemas) do mercado de café
no Brasil?
AF:
O agronegócio café ainda não
modernizou suas atitudes. Acredito, porém,
que as mudanças acontecerão mais rápido
que se imagina. As pessoas mudam, o país muda,
o mundo muda. É impossível manter os
mesmos procedimentos.
RC: Poderia fazer uma avaliação
crítica do desempenho do governo federal e
do CDPC na condução da política
cafeeira?
AF:
O governo deve ser orientado pelo CDPC; este é
o fórum adequado para a busca de soluções
criativas, onde todos podem apresentar soluções
e opinar em benefício do desenvolvimento sustentado.
RC: O que falta para o Brasil ampliar
a sua exportação de cafés torrados?
AF:
O país se declarar exportador de café
industrializado e agir nesta direção.
Precisamos também ter a liberdade de importar
grãos de outras origens para atender mais clientes
lá fora, que exigem um blend diversificado.
RC: Há um projeto de qualidade
que a última gestão da Abic havia apresentado
ao MAPA, e que envolvia forte intervenção
estatal nas indústrias, mas que foi modificado
agora pela nova gestão para um projeto mais
simples, com menos ingerência. Poderia explicar
melhor o que aconteceu?
AF:
O projeto de Regulamento Técnico apresentado
inicialmente é de vanguarda, que nos colocaria
em situação privilegiada no atendimento
ao consumidor, mas os agentes da cadeia produtiva
se opuseram, e para evitar descontentamentos a ABIC
optou por um regulamento que atende o momento e evolui
com o tempo. Nosso projeto original chamava-se Padrão
de Identidade e Qualidade do Café (PIQ), era
um projeto muito bem elaborado, moderno, que contempla
a pureza e qualidade, estabelecendo diversas categorias
de qualidade. Mas o Brasil ainda não está
maduro, então enviamos um projeto simplificado,
centrado apenas no combate às impurezas e à
fraude, e que estabelece um padrão mínimo
de qualidade para consumo interno e exportação.
Para você entender, o texto original era um
Mercedez Classe 600; o projeto atual é um Fusca.
Mas é melhor que andar a pé.
RC: Com a sua experiência de
industrial do setor torrefador, qual a sua opinião
sobre as razões que levam outros países
produtores a apresentarem taxas de consumo per capita
de café tão baixas?
AF:
Foco exclusivo na exportação, ignorando
as vantagens oferecidas por uma estabilidade de um
consumo interno significativo.
RC: Você acha que a demanda
mundial de café dá sinais de vigor ou
esgotamento?
AF:
O mundo começa a descobrir a qualidade como
uma forma de respeitar o consumidor e elevar a quantidade
consumida; acredito que vivemos um novo ciclo de prosperidade.
RC: Os preços de café
torrado no mercado interno ficarão estáveis
esse ano?
AF:
No que depender da ABIC, não. Os preços
finais do café torrado estão extremamente
defasados, o que recomenda sua adequação
à realidade.
RC: Têm surgido empresas novas
de torrefação? Empresas familiares?
AF:
Nossa observação é que surgem
diariamente indústrias profissionais, muitas
delas familiares.
RC: Quais as regiões brasileiras
que, na sua opinião, apresentam perspectivas
de aumento de consumo mais promissoras?
AF:
Nordeste.
RC: Acredita no potencial de crescimento
de consumo de cafés especiais?
AF:
Os cafés especiais estão crescendo com
um vigor impressionante. Falamos de orgânicos
e todos que apresentam predicados perceptíveis
ao consumidor.
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