A
situação continua complicada para a
cafeicultura fluminense. Vão longe, muito longe,
os faustosos tempos dos barões, quando a região
ostentava o título de maior produtora mundial
e patrocinou, com a exportação do produto,
a recém declarada independência política
do país. Com o fim da escravidão, as
grandes fazendas do sul do estado foram à falência,
e hoje o Rio responde por menos de 1% da produção
nacional.
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O
principal problema do setor, hoje, é não
possuir módulos de rebeneficiamento, obrigando
os produtores a enviar seus cafés para
armazéns de Minas e Espírito Santo,
onde o produto é padronizado e mandado
de volta. O passeio custa caro e provoca complicações
fiscais, por causa da passagem de um estado a
outro. Uma boa quantidade, portanto, é
deslocada sem nota e desaparece do mapa. Com menos
café visível, as fontes de financiamento
também caem, e assim o setor permanece
preso a um ciclo vicioso que não parece
ter fim. |
Para quem não sabe, o rebenefício é
a separação do café por peneiras
(tamanho de grão), cores (verde ou maduro)
e defeitos. É um processo obrigatório
para preparar o produto para o mercado. Apenas depois
desta padronização, é possível
separar lotes com preços diferenciados, destinados
aos diversos públicos compradores, externos
e domésticos.
Central
de Rebenefícios
Consultados
pela Revista do Café, todos os entrevistados
foram unânimes num ponto: o Rio precisa, muito,
de um ou mais módulos de rebeneficiamento.
Silvio Bennetti, corretor que opera no estado há
mais de 20 anos, é autor de um projeto para
instalar um desses módulos na Coopercanol,
na região do Noroeste fluminense, onde se concentram
cerca de dois terços da área cafeeira
do estado. O custo é estimado em R$ 1 milhão.
O governo do estado demonstra interesse em ajudar,
mas exige contra-partidas financeiras das prefeituras
da região, sobretudo de Varre-Sai, principal
município produtor do Rio de Janeiro, explica
Bennetti. O corretor argumenta que, devido ao baixo
volume produzido no estado, dificilmente a iniciativa
privada interessar-se-á em construir um módulo,
e por isso o Estado deveria dar o pontapé inicial,
que acarretaria, segundo ele, num excelente estímulo
para elevar a produção de café
no Rio de Janeiro. O ideal, concorda Silvio, é
que fossem construídos dois módulos,
um no Noroeste e outro na região serrana, os
dois principais pólos produtores do estado;
mas um no Noroeste, pra começar, já
seria de bom tamanho. “O político que
fizer esse módulo entrará para a história
como um herói”, observa Silvio.
Em
entrevista exclusiva para a Revista, o secretário
de Agricultura do Rio de Janeiro, Christino Áureo,
admitiu a grande necessidade de um módulo
de rebenefício no estado. Explicou que
tentou incluir o projeto citado por Bennetti (usando
as instalações da Coopercanol) no
orçamento deste ano, mas não foi
possível. Tentará incluí-lo
no orçamento de 2009. Áureo confirmou
que o valor da obra deverá ficar em torno
de R$ 1 milhão e que deverá, inicialmente,
ter capacidade de processar 100 mil sacas por
ano. Num segundo momento, essa capacidade poderia
ser ampliada para 200 mil sacas. O problema continua
sendo a busca de parcerias com prefeituras para
dividir as despesas. |
Christiano
Áureo, Secretário de Agricultura
do RJ |
Na verdade, apenas um produtor no estado possui armazém
com maquinário completo de rebenefício:
Aloysio Erthal, produtor em Bom Jardim, região
serrana. A propriedade é hoje gerenciada por
seu filho, Miguel Erthal, que, em entrevista para
a Revista, informou que a fazenda está produzindo
atualmente cerca de 20 mil sacas por ano – das
quais 70% são vendidas para exportadores, e
30% usadas integralmente na torrefadora da fazenda,
a Bom Jardinense. Os números posicionam Erthal
como maior produtor do estado do Rio.
Erthal filho conta que a família produz café
nas atuais fazendas desde 1973, mas apenas a partir
de 2000 decidiu abandonar as atividades com frango
para se focar no café. “Nossa área
plantada hoje é de 550 hectares e obtemos uma
produtividade média de 40 sacas por hectare”.
Quanto ao custo, Erthal diz que eles explodiram este
ano, por conta do salto no preço dos fertilizantes.
“No ano passado, antes da alta do adubo, nossos
custos estavam em R$ 180 a saca. Este ano, os custos
devem ultrapassar R$ 250 a saca”.
As fazendas de café da família Erthal
possuem 100 empregados fixos e contratam mais 250
na época da colheita – que, na data da
entrevista (15/09/2008) apresentava atraso de 3 semanas,
faltando 30% para ser finalizada. Os trabalhadores
são contratados nas adjacências. O pagamento,
como de praxe, é feito por balaio de 60 litros,
R$ 9 cada. É um preço alto. Outro produtor,
Moacir Carvalho, que possui 20 hectares de café
em Duas Barras e 4 empregados fixos, informa que,
este ano, pagou R$ 6 no início da colheita,
R$ 7 no meio e, no fim, R$ 8 por balaio de 60 litros.
Nova
Tecnologia para a Colheita
Ambos
concordam que a mão-de-obra é a maior
preocupação dos cafeicultores fluminenses.
A topografia acidentada impede a mecanização,
mas Erthal afirma que está aumentando o uso
do derriçador, equipamento acoplado às
costas do trabalhador, dotado de uma espécie
de mão mecânica, que permite uma colheita
mais acelerada. Estima-se que um homem com derriçador
substitui três trabalhadores que não
usam a máquina. Por conta disso, muitos produtores
do estado, inclusive os de regime familiar do Noroeste,
estão usando bastante essa nova tecnologia.
Muitos trabalhadores são donos dessas máquinas
e vendem sua mão-de-obra com preço diferenciado,
a R$ 90 ou R$ 100 por dia.
José
Ferreira Pinto, superintendente da Regional
fluminense do Ministério da Agricultura |
José
Ferreira Pinto, superintendente da regional fluminense
do Ministério da Agricultura, conta que
o derriçador mecânico tem feito grande
sucesso no Noroeste, e que seu preço é
bem acessível, cerca de R$ 2,6 a R$ 3,3
mil. Também cafeicultor, com cerca de 110
hectares plantados e produção de
3,8 a 5 mil sacas, Ferreira estima o custo de
produção no Rio em R$ 170 a R$ 250,
a depender da produtividade e tecnologias empregadas. |
Todos os entrevistados se mostraram céticos
quanto à possibilidade do Rio elevar sua produção
de café. Erthal revelou que vários produtores
da região serrana vêm, paulatinamente,
abandonando a atividade. A alta no custo dos fertilizantes
e da mão-de-obra estão desestimulando
os produtores. E o bom nível de industrialização
do estado, agora um grande produtor de petróleo,
tem levado as novas gerações a se afastarem
do setor agrícola, procurando empregos na indústria
e no setor de serviços, que oferecem maior
estabilidade e menos riscos. “Não tem
gente nova entrando e as propriedades estão
diminuindo de tamanho”, adverte Ferreira.
Rio
de Janeiro: Mercado de Qualidade
O
próprio secretário de Agricultura, em
função da área pequena e topografia
acidentada, acredita que o potencial agrícola
do estado só poderá ser plenamente alcançado
através da exploração dos nichos
de qualidade. “O Rio de Janeiro tem o segundo
maior mercado consumidor do país e o primeiro
em termos de produtos de qualidade, e o poder aquisitivo
também é alto – estudos nossos
apontam que a renda per capita fluminense superou
a de Brasília, considerada a número
um”, analisa o secretário.
Na opinião de Ferreira, a estagnação
da produção de café no estado
não é falta de apoio oficial. “Tivemos
um problema este ano com o Banco do Brasil, que ainda
não liberou a verba do Funcafé para
o Rio, mas o Pronaf fluiu bem. No ano passado, os
recursos vieram no tempo certo. O problema no Rio
é a perda da vocação agrícola
do povo fluminense, a topografia difícil, a
escassez de mão-de-obra, que sofre concorrência
das grandes cidades, sobretudo o Rio. E agora, com
o florescimento da indústria do petróleo
no estado, muita gente está tentando trabalho
no setor e abandonando as áreas rurais”,
comenta Ferreira.
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Segundo
Silvio Bennetti, os principais compradores no
Rio são as exportadoras Unicafé
e Tristão. Entre as torrefadoras, as que
mais adquirem o produto no estado são as
donas das marcas Favorito, Capital, Câmara
e, às vezes, o Bom Dia. Bennetti diz que
as torrefadoras do Rio continuam enfrentando grave
crise. As torrefadoras instaladas no Rio são
obrigadas a comprar café beneficiado em
Minas ou ES, o que traz complicações
fiscais extremamente onerosas à atividade. |
O problema da falta de um módulo de rebenefício
causa ainda um outro problema: a proliferação
de uma classe de atravessadores, que compram café
de produtores, enchem um caminhão velho, e
vão até outro estado, levando mercadoria
sem nota, diz Bennetti. “É uma economia
porca, porque são pessoas descapitalizadas
– oito em cada dez atravessadores quebram e
não pagam os produtores”, denuncia o
corretor.
Organização
de Produtores
Tentando
resolver esses e outros problemas, com o apoio do
CCCRJ Centro do Comércio de Café do
Rio de Janeiro, um grupo de produtores criou, em 2001,
a Associação de Cafeicultores do Estado
do Rio de Janeiro, a Ascarj, cujo presidente foi,
até pouco tempo, Efigênio Salles, entrevistado
pela reportagem.
Salles
informa que, atualmente, o Rio tem cerca de 1.600
produtores, dos quais 1.300 são cadastrados
na entidade. Também cafeicultor, Salles
deve produzir cerca de 2.500 sacas este ano, obtendo
uma produtividade de 45 a 50 sacas por hectare.
Segundo ele, a maioria dos produtores fluminenses,
inclusive ele, usa a variedade genética
Catuaí, e cerca de 40% da produção
de café na região serrana é
processada na forma de cereja descascado. Salles
também acredita que o caminho da cafeicultura
fluminense não é elevar a produção,
e sim ampliar sua participação no
mercado de cafés especiais. |
Efigênio Salles, cafeicultor |
A Federação de Agricultura do Estado
do Rio de Janeiro (Faerj), em parceria com o Sebrae,
publicou em 1998 um Diagnóstico da Cafeicultura
do Estado do Rio de Janeiro. O estudo, apesar de antigo,
ainda é válido, porque as estruturas
fundiárias não sofreram mudanças
significativas.
Segundo esse Diagnóstico, o Rio tinha em 1998
um total de 1.268 produtores, dos quais 398 com menos
de 10 hectares; 554 com 10 a 50 ha; 156 com 50 a 100
hectares; 137 produtores com 100 a 500 hectares de
café; e 18 produtores com mais de 500 hectares.
As regiões Noroeste e Serrana tinham mais de
95% dos cafeicultores fluminenes, mas o Sul, com apenas
25 produtores, tinha 1.567,78 hectares de café
(média de 74,6 ha por produtor). O Noroeste
tinha 7.311 hectares plantados (8,34 ha por produtor,
em média) e a região Serrana, 1.904
hectares (13,32 ha por produtor). Os principais municípios
produtores são Varre-Sai, com 399 produtores;
Porciúncula, com 393; ambos no Noroeste. Na
região Serrana, destaca-se Bom Jardim, com
113 produtores, e Duas Barras, com 28.
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Esses
dados, é importante reiterar, correspondem
ao ano de 1998. Dados mais atualizados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
referentes ao ano de 2006, mostram a virtual extinção
da cafeicultura no sul fluminense, e um crescimento
modesto no Noroeste e no Centro (região
serrana). O IBGE estima a área cafeeira
fluminense em 2006 em 13.770 hectares, com queda
ligeira sobre o ano anterior. |
Quanto
à produção, o estado do Rio produziu
264.600 sacas em 2006, com o Noroeste respondendo
por 71% do total; o Centro por 21% e a região
metropolitanta do Rio, por 5,7%. Os municípios
de Varre-Sai, Porciúncula, Bom Jardim, Bom
Jesus do Itabapoana, Duas Barras e São José
do Vale do Rio Preto, responderam por 93% da produção
fluminense de 2006.
Para 2008/09, o IBGE estima que o Rio de Janeiro deverá
produzir 264 mil sacas de 60 kg, o que representaria
queda de 6% sobre o ano anterior.
Com a época dos barões enterrada num
passado longínquo, e sem perspectivas muito
otimistas, as esperanças da cafeicultura fluminense
concentram-se na iniciativa do governo estadual em
construir, finalmente, um módulo de rebeneficiamento,
que a libertaria da dependência de armazéns
de outros estados e abriria a possibilidade de elevar
sua população cafeeira.
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