Todos
os olhares se voltam para Roraima, à espera
da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)
sobre a reserva Raposa Serra do Sol. A sociedade,
ansiosa, torce por uma solução harmônica
sobre aquele longínquo espaço indígena.
Enquanto isso, aqui mais perto, no Mato Grosso do
Sul, a Funai apavora os agricultores.
O problema dos índios se discute em cada esquina
de Campo Grande. Os produtores rurais se mobilizam
para resistir à tomada de suas fazendas. O
governo estadual está revoltado com a atitude
federal. A população anda perdida no
meio da discussão. Ninguém sabe como
vai terminar essa terrível história.
Há tempos se discute a situação
indígena no Mato Grosso do Sul. Existem no
estado 38 grupos étnicos, ligados aos guaranis-caiovás.
A maioria das comunidades (26) se encontra em áreas
já definitivamente demarcadas, contendo 583
mil hectares onde vivem 29 mil indígenas. Excluindo
a grande Reserva da Bodoquena, vivem apertados. Outros
dois mil índios aguardam a regularização
de 30 mil hectares. É justo, e um direito constitucional,
que os índios tenham o direito à terra
que tradicionalmente ocupam. Só imbecis discordam
disso.
A questão é outra. Depois que Lula assumiu
a presidência, surgiu uma conversa diferente,
sobre a existência de uma tal “nação
indígena” do Cone Sul. Articulados com
a turma do MST, acobertados pela Funai, grupos de
índios começaram, desde 2004, a chegar
do Paraguai. Fazendas antigas, com excelente exploração
agropecuária, entraram na cobiça alheia.
Advogados foram mobilizados para enfrentar a estranha
ameaça ao território nacional.
De repente, a pendenga esquentou. O governo federal
publicou, agora em julho de 2008, seis Portarias,
determinando que 26 municípios do sul do estado
sejam investigados, à procura de resquícios
de ocupação dos índios. Uma área
de 10 milhões de hectares, terra fértil,
envolvendo Dourados, Miranda, Naviraí, Rio
Brilhante e Maracaju, vai receber a visita dos antropólogos
oficiais. Imaginem a confusão que isso vai
provocar.
Nessa região reside o miolo da produção
rural do Mato Grosso do Sul. Ali labutam 30 mil agricultores,
metade do total estadual, responsáveis por
60% da produção de grãos, especialmente
soja e milho. Entremeados às propriedades tradicionais,
existem 36 assentamentos de reforma agrária,
com 8,7 mil famílias. Todos se encontram atordoados.Conflito
na certa. Essas terras começaram a ser tituladas
há um século. Com o tempo, essa fronteira
agrícola recebeu fortes estímulos governamentais,
visando abrir a região ao progresso da agropecuária.
De repente, locais onde não se enxergam índios
há 50 anos, ou mais, passaram a ser reivindicadas
como se a moradia deles fosse.
Ora, a Constituição garante o direito
às terras que os índios “tradicionalmente
ocupam”, não àquelas que um dia
ocuparam. Porque se assim fosse, o litoral de Santos,
a capital de São Paulo e o Rio de Janeiro também
teriam que ser devolvidos aos aborígenes. Sabe-se
lá como.Fortes reações do governo
estadual fizeram a Funai recuar, por ora, nas vistorias.
O órgão federal, contemporizando, afirmou
que o território a ser reivindicado é
menor que o suposto. Pelo sim, pelo não, as
invasões já começaram. A Fazenda
Petrópolis, do ex-governador Pedro Pedrossian,
localizada no município de Miranda, encontra-se
dominada por essa nova cria da política federal,
a mistura de índio com sem-terra. Curioso,
prá não dizer estranho.
As aldeias guaranis instaladas no Mato Grosso do Sul
colocam-se de escanteio nessa balbúrdia. Sua
reserva em Miranda, por exemplo, com 2.600 hectares,
deveria crescer, ao seu pedido, mais 500 hectares,
suficientes para o cultivo que desejam há tempos.
Mas a Funai achou pouco. Seus antropólogos
acabam de separar 33 mil hectares, envolvendo várias
fazendas, para aumentar a área indígena.
Somente a Fazenda Vazante, incluída no perímetro
demarcado, contempla 16 mil hectares, criando 19 mil
cabeças de gado; seu título de propriedade,
com registro em cartório, passa de 100 anos.
Acredite se quiser. Os caciques das aldeias locais
afirmam, publicamente, que sua prioridade reside na
assistência médica e educacional, não
na terra.
Sentem-se largados a sua sorte. Os suicídios
lá verificados mostraram ao país aquilo
que os matogrossenses do sul já sabem há
tempos: as aldeias indígenas estão,
infelizmente, no completo abandono. Justiça
social zero. Os índios, porém, desejam
trabalhar. Querem tratores, sementes, fertilizantes,
almejam condições para produzir seu
alimento, e vender o excedente para ganhar um dinheirinho.
As novas gerações sonham com o progresso,
buscando o conforto que a tutela oficial lhes nega.
Projetam ser agricultores, índios agrícolas.
A economia dessa região matogrossense do sul
se encontra paralisada, quase morta. As terras se
desvalorizam, investimentos se suspendem, há
paradeira no comércio, o desemprego ronda.
Pior dos cenários.
Sabe-se que, se declaradas indígenas, inexiste
qualquer indenização pelas terras, quer
dizer, vira pó a agropecuária. Um absurdo.
Os índios merecem respeito e devem ser protegidos
pelo Estado, com apoio da sociedade. Um desfecho feliz
em Roraima pode repaginar a questão indígena
no país, normatizando o processo, ajudando
a solucionar esse tremendo rebuliço no Mato
Grosso do Sul. Do jeito que está, não
pode ficar. Coloca um estado inteiro da Federação
em pé de guerra, prejudica os produtores rurais,
provoca insegurança jurídica, cria violência,
sem ajudar propriamente os índios. Quem ganha
com isso?
Somente certos saudosistas, que imaginam corrigir
o passado segregando, não integrando, o índio
à sociedade.
Vai dar errado. |