No
dia 22 de julho deste ano, o Governo Federal publicou
o Decreto 6.514, que altera a Lei de Crimes Ambientais
e define novas infrações e sanções
administrativas. Entre as modificações,
o texto obriga a averbação de Reserva
Legal (RL) da propriedade, após a notificação
de infração e determina aplicação
de multa, que varia de R$ 500 a R$ 100 mil. A RL é
o percentual de área que deve ser conservado
na propriedade rural com vegetação nativa.
O Decreto prejudica ainda a atividade agrícola
desenvolvida em Áreas de Preservação
Permanente (APPs), que são as margens de rios,
córregos, lagos e nascentes, bem como as áreas
de morro com declives acima de 45 graus. E é
exatamente nessas localidades que se concentram cerca
de 50% da cafeicultura brasileira.
Segundo
o presidente da Comissão Nacional do Meio
Ambiente da Confederação da Agricultura
e Pecuária do Brasil (CNA), Assuero Doca
Veronez, com a aplicação do Decreto,
a cafeicultura fica praticamente inviabilizada
em Minas Gerais e Espírito Santo. “Considerando
que a atividade cafeeira, especialmente nesses
Estados, está localizada em áreas
de declive superior a 45 graus e, portanto, protegidas
pela legislação ambiental, o impacto
do Decreto será significativo, uma vez
que altera e amplia as infrações
ambientais, permitindo a apreensão dos
produtos e subprodutos agropecuários produzidos
nessas áreas”, comentou. |
Assuero
Doca Veronez, presidente da Comissão
Nacional do Meio Ambiente da CNA |
Dados apurados pela CNA apontam que cerca de 80% da
cafeicultura mineira e mais de 70% da capixaba estariam
situadas em APPs. Outra localidade cafeeira que deve
sentir os impactos do Decreto é a região
serrana de São Paulo, conforme apontou José
Sampaio Góes, diretor de Meio Ambiente e Conservação
do Solo da Sociedade Rural Brasileira (SRB). “A
região serrana paulista responde por cerca
da quinta parte da produção estadual“,
estimou.
Nesse contexto de restrições, surge
a indignação do produtor. “Esse
é um decreto feito sem nenhuma consulta ao
ambiente produtivo, vindo de cima para baixo e sem
levar em conta os reflexos, não só econômicos,
mas sociais, dado que, no Espírito Santo, 70%
das propriedades são o que podemos classificar
como familiares, conforme os critérios utilizados
pelo próprio governo, dentro das quais se situa
o café. Portanto, grande parte da cafeicultura
local é de caráter familiar, o que exemplifica
que o impacto do Decreto também será
profundamente social”, lembrou Fabiano Coser,
cafeicultor da variedade conillon no Espírito
Santo.
Ele anotou que o Decreto é tão absurdo
que praticamente extingue a atividade cafeeira no
Estado, já que restariam muito poucas áreas
agricultáveis ao café. “Como o
Espírito Santo possui um relevo muito montanhoso,
as partes que não têm declividade superior
a 45 graus, propícias à irrigação,
são utilizadas para culturas anuais, como a
fruticultura. “A cafeicultura surge como alternativa
de renda aos pequenos produtores, em uma encosta que
já estava desmatada. Há cerca de 100
anos, quando houve a implantação de
uma política pública para a ocupação
de espaços, o próprio governo estimulou
que se desmatasse. Assim, quando o café conillon
começou a ser plantado, por volta de 1960,
ganhando impulso na década de 80, essa região
já estava desmatada. Ou seja, o café
não jogou a mata no chão, mas, sim,
surgiu como alternativa”, explicou Coser.
José Fichina, vice-presidente
da Cooparaíso |
Preocupada
com o assunto, a Cooperativa Regional dos Cafeicultores
de São Sebastião do Paraíso
(Cooparaíso) mencionou, por meio de seu
vice-presidente, José Fichina, que a publicação
do Decreto 6.514 traz ao homem do campo uma grande
insegurança, gerando graves conseqüências
à sustentabilidade da agricultura no país.
“Dentre vários impactos, salienta-se
a redução da área produtiva,
resultando em reflexos negativos sobre a renda
rural, o que pode levar o agricultor ao abandono
da atividade”, argumentou. A Cooparaíso
conta com mais de 5.000 produtores rurais associados,
estabelecidos nas principais regiões cafeeiras
do país, como norte de São Paulo,
sul e Zona da Mata de Minas e região capixaba
do Caparaó. |
“Estas
áreas sofrerão grandes impactos no aspecto
social e econômico com as normas ambientais
vigentes, deixando de lado toda uma cultura e tradição
secular que a atividade cafeeira construiu”,
salientou Fichina.
Os representantes do setor também questionaram
a legalidade do Decreto. “Ele é flagrantemente
ilegal, pois fere a Constituição em
vários artigos, como no caso do Direito Adquirido
e, no entendimento dos juristas que já o analisaram,
precisa ser adequado à Lei”, destacou
Veronez.
O
deputado federal Valdir Colatto, presidente da
Frente Parlamentar da Agropecuária, argumentou
que se trata de uma medida punitiva, estabelecendo
normas que não existem na Lei e, por isso,
é absurda. “Na verdade, é
um Decreto ‘confiscatório’,
pois aplica multas irreais, que não têm
nada a ver com o custo das propriedades que acabam
sendo confiscadas dos produtores”, criticou.
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Deputado
Federal Valdir Colatto, presidente
da Frente Parlamentar da Agropecuária |
Completando, ele lembrou que se a cafeicultura é
ilegal em Minas, também é ilegal o Pão
de Açúcar no Corcovado, no Rio de Janeiro.
“O ministro (do Meio Ambiente, Carlos) Minc
já foi questionado sobre isso, mas lá
ele não mexe. Portanto, precisamos fazer uma
negociação para que tenhamos a sustentabilidade,
olhando o meio ambiente, mas também preservando
a questão da produção brasileira
que já está implantada”, sinalizou.
O parlamentar informou que a Frente entrou com um
pedido de retificação e de anulação
total do Decreto para que possam ser discutidas as
bases legais e fundamentais, de forma que se permita
a revisão da legislação ambiental
brasileira em um prazo estipulado, definindo claramente
o que é APP e RL.
Caso o governo não sinalize uma flexibilização
no texto, pensa-se em impetrar uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para derrubar
o Decreto. “Estamos buscando a melhor forma
para resolver essa questão, também via
judicial, porque as sinalizações do
ministro Minc têm sido de que as mudanças
serão pífias, portanto, não devem
resolver o estado de comoção e revolta
que está se criando em algumas regiões
brasileiras, nas quais os fiscais ambientais estão
autuando com uma virulência sem explicação”,
concluiu Veronez. |