Diz
a máxima que “quando se está vendo
a luz no fim do túnel, é melhor certificar-se
de que não é um trem na direção
contrária”. Pois é, a despeito
de todo o esforço – diversos estímulos
de liquidez, monetários e fiscais -, a crise
financeira internacional avança desde julho
do ano passado. Esta semana, um dos maiores bancos
americanos, Lehman Brothers, declarou falência
e outro, Merrill Lynch, teve que ser vendido. Na semana
passada, Fannie Mae e Freddie Mac, duas grandes agências
de financiamento hipotecário, foram resgatadas
pelo governo americano. Este ano já tivemos
o resgate do Bear Stearns. Alguns comparam a crise
atual com a de 1930. Pode ser ainda exagero. Mas o
período é certamente excepcional no
sistema financeiro internacional. Quais são
as lições da crise?
Ainda está cedo para reflexões completas
sobre as lições da crise. Os custos
da crise não devem ser cobrados das decisões
contemporâneas (por exemplo, salvar ou deixar
quebrar), mas das do passado. Faltou serenidade e
limites em várias dimensões nos últimos
anos. Os investidores minimizaram o risco das suas
aplicações; as agências de classificação
corroboraram a idéia de que havia pouco a se
preocupar; os bancos estimularam os excessos vendendo
ativos ruins em novas embalagens e veículos;
os reguladores deixaram esses novos veículos
não fazerem parte do balanço dos bancos
(e, portanto, requereram menos capital do que o desejado);
e os bancos centrais estimularam os excessos com juros
baixos por tempo prolongado.
No caso dos EUA (e na Europa também), as lições
desta crise servirão para evitar uma próxima,
pelo menos nos moldes da atual. Os reguladores deveriam
atuar de forma contracíclica, exigindo mais
prudência (leia-se capital, provisionamento,
etc.) nos momentos de bonança. E nem pensar
em deixar veículos de investimento fora dos
balanços e da exigência de capital. As
agências de classificação poderiam
ter menos relevância para a decisão de
crédito e avaliação de risco
por parte dos bancos. Os bancos centrais também
atuariam na contramão dos excessos, elevando
os juros quando surgirem o que parecem ser bolhas,
ou seja, excessos nos mercados de ativos. Os bancos,
por sua vez, deveriam reforçar suas áreas
de risco, de alguma forma tornando-as menos suscetíveis
a pressões das áreas de investimentos
e negócios e os seus modelos menos permeáveis
a percepções otimistas quanto aos preços
futuros (no auge da euforia, os modelos assumiam riscos
de quedas menores).
Enfim, todos os envolvidos têm que colocar limites
de velocidade automáticos para funcionarem
no próximo ciclo de prosperidade e otimismo.
No Brasil, o momento deveria ser de reflexão.
Até quando vai a crise? Qual é o melhor
curso de ação?
Alguns analistas estão se debruçando
nessas questões. Mas outros, inclusive alguns
ministros e ex-ministros estimulados pelo clima na
comemoração dos 200 anos do Ministério
da Fazenda, rapidamente preferiram entrar em embates
ideológicos ultrapassados. Os resgates nos
EUA supostamente demonstraram que o “neoliberalismo”
(inimigo de fantoche favorito) e até o capitalismo
estariam “enterrados”. Afinal, os resgates
promovidos pelo governo americano teriam mostrado
a necessidade da intervenção do Estado.
Fica a dúvida se já esta semana o “neoliberalismo”
voltou a renascer, ao deixarem a Lehman Brothers falir.
De qualquer forma, a crítica ideológica
dirige-se a um “fantoche”: a idéia
que o mercado (e em última instância
o capitalismo) prescinde de regras, regulação
e instituições fortes.
Em minha opinião, os erros que esta crise revela
são anteriores às decisões de
resgatar ou deixar falir instituições
financeiras. Não há alternativa boa
hoje. Foram os exageros cometidos no período
de prosperidade – quando do boom da bolsa, do
mercado imobiliário e outros ativos - que estão
repercutindo hoje.
Seria triste que as lições tupiniquins
sobre a crise se resumissem à visão
equivocada sobre a necessidade de maior intervenção
do Estado brasileiro na economia - leiam-se maiores
gastos, contratações, etc. -, para além
daquela que os 40% do PIB em arrecadação
tributária já hoje permitem.
A lição verdadeira é despender
esforços para identificar e atuar sobre os
excessos que ocorrem nos momentos de bonança.
Nesse sentido, podemos dizer que se há excessos
na economia brasileira, eles deveriam ser, hoje, combatidos
de forma a manter a economia crescendo de maneira
sustentada e evitar problemas futuros.
Em uma dimensão, essa lição já
vem sendo adotada. O Banco Central do Brasil (BC)
já faz vários meses identificou no contexto
atual um crescimento da demanda (consumo, gastos do
governo, investimento) que vai além da capacidade
de suprimento da economia, o que coloca riscos inflacionários
no sistema. Para combater esse excesso na economia,
o BC tem subido os juros de forma a promover uma desaceleração
na economia (ainda não aparente). Em outras
dimensões, os excessos ainda correm soltos.
Os gastos do governo crescem a taxas que não
são sustentáveis e que não serão
facilmente reversíveis em momentos de dificuldade,
em especial, as contratações e aumentos
salariais concedidos ao funcionalismo. Outros exemplos
existem. O crédito no Brasil cresceu 30% nos
últimos 12 meses.
Em suma, a crise financeira internacional ainda não
encontrou seu fim. As lições da crise
mostram que é imperioso atuar nos momentos
de bonança. Ideologias à parte, é
imperioso questionar se estamos fazendo o suficiente
para combater os excessos atuais. No Brasil, como
foi no exterior, os custos dos excessos só
poderão ser medidos e julgados quando o ciclo
mudar, certamente não quando a economia cresce
6% e a popularidade está em alta.
Ilan
Goldfajn
Sócio da Ciano Investimentos, diretor
do IEPE da Casa das Garças e professor da PUC-Rio,
igoldfajn@cianoinvest.com.br
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