(continuação)
O
problema é que o plantio era feito sem método
ou cuidados com a terra, o que tornou relativamente
curto o período áureo do Rio de Janeiro
como produtor. As matas foram derrubadas dos topos
das serras, as queimadas faziam parte da rotina da
abertura das matas, e mesmo com esparsas recomendações
de estudiosos de cuidados para com os capoeirões
no alto dos morros, nada resistia à sofreguidão
com que os produtores se lançaram no desmatamento
desordenado da Mata Atlântica.
Preços altos estimulavam novas
plantações e a demanda externa na segunda
metade do século XIX era superior à
produção mundial, o que explica a faina
dos cafeicultores em aumentar as áreas de plantio,
mesmo em detrimento da mata nativa e com o comprometimento
do futuro da própria cultura.
De acordo com a socióloga e
pesquisadora Jeannette Garcia, "as fazendas de
café constituíam verdadeiros núcleos
sociais e produtivos; nelas estruturavam-se as relações
sociais essenciais. No topo da pirâmide social
da época encontravam-se os cafeicultores. Em
torno dos fazendeiros agregavam-se juizes, advogados,
tabeliães, médicos, homens de negócios,
professores e funcionários. Na condição
de cativos e forros estavam os negros africanos e
seus descendentes em situação inferiorizada...
e o grande contingente de escravos que a monocultura
do café absorvia sobrevivia na condição
de 'objetos ou coisas' de seus senhores, que os possuíam
legalmente perante a justiça". Segundo
ela, havia casos de fazendeiros que possuíam
20 fazendas de café, "registrando na matrícula
geral 6 mil escravos". Estes constituindo-se
em "bens" tão valiosos quanto a terra.
Cidades
como Vassouras chegaram a ter em seu entorno cerca
de 80 fazendas de café, "sendo a maioria
delas lideradas pelas grandes famílias, dentre
elas os Corrêa e Castro, Lacerca Werneck, Ribeiro
de Avellar, Teixeira Leite, Santos Werneck e outras
tradicionais e detentoras de títulos nobiliárquicos".
A
grande questão reiterada pela socióloga
é que este surto de plantio de café
se deu de forma desordenada, com base no sistema escravagista
e sem maiores conhecimentos agronômicos, resultando
na "decadência econômica da região
do Vale do Paraíba Fluminense, motivada, fundamentalmente,
pelo envelhecimento dos cafezais, esgotamento do solo,
desaparecimento da mata virgem, encarecimento do braço
escravo - devido ao fim do tráfico e posteriormente
à abolição da escravatura".
O
resultado foi a migração natural dos
cafezais para áreas ainda não degradadas,
especialmente em São Paulo, que já vinha
produzindo e que, em muitos casos, já se utilizava
mão-de-obra imigrante, estando, portanto, mais
preparado para os efeitos do fim da escravidão.
Os
plantios, enfim, foram seguindo os rumos do Vale do
Paraíba em direção ao Estado
paulista, atingindo cidades que se tornaram símbolos
do poderio econômico do café, como Bananal,
Areias e Pindamonhangaba. E, da mesma forma, migraram
das extenuadas serras fluminenses para a Zona da Mata
Mineira e, mais tarde, ocupando com sucesso o oeste
de São Paulo e Paraná, assim como o
Espírito Santo. Com isso, em 1905 o Estado
do Rio representava apenas 9,20% do total de café
produzido no Brasil, contra mais de 62% de São
Paulo e quase 22% do Espírito Santo.
Mas
coube ao Rio espalhar esta semente. Com seus erros
e acertos, com o custo da destruição
de mata nativa e da sua própria subsistência
como cultura econômica, foi a partir dos plantios,
hoje inimagináveis, em locais como os pés
da serra do Pão de Açúcar, ou
chácaras localizadas onde hoje estão
bairros com o Centro Histórico e Gávea,
que o café começou sua saga econômica
no Brasil. A chamada "onda verde" que foi
se apropriando de terras e mais terras, levando consigo
desenvolvimento, empregos, renda e, ao longo de sua
história, financiando a industrialização
e o desenvolvimento econômico do País.
E o Rio, mesmo depois de ter deixado de ser um grande
Estado produtor, manteve por muitas décadas
ainda um poder político sensível sobre
os rumos da cafeicultura no País, seja pela
razão de ser a sede da capital do País,
seja pelo fato de ter ali nascido a tradição
e toda uma cultura de comércio de café.
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