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Mudanças no perfil
Para Guilherme Braga, a experiência
que foi sendo adquirida pelo CCCRJ ao acompanhar e
participar das políticas que foram sendo estabelecidas
no decorrer dos anos, favoreceu diretamente a formação
e capacitação dos próprios agentes
do comércio de café.
A
partir dos anos 60, por exemplo, com o aumento da
abertura comercial brasileira, o comércio de
café passou por significativa mudança,
fazendo crescer o papel do exportador, que passou
a ter que ir ao mercado, lá fora, fazer negócios.
"Tornou-se uma função altamente
específica", diz Guilherme Braga, lembrando
que, inclusive, esse período marca a consolidação
da liderança de três empresas nacionais
extremamente importantes: a Unicafé, a Tristão
e a Intercontinental.
"Essas
empresas se tornaram os três maiores exportadores
nacionais. Chegavam a ter estoques de um milhão
de sacas cada, um volume inimaginável para
os dias de hoje, pelo esforço financeiro que
representava. Mas também foi neste período
que começaram a frutificar os investimentos
em infra-estrutura no interior, que deram aos exportadores
nacionais um suporte maior, ao passo que as empresas
estrangeiras se tornaram menos preponderantes no mercado.
Na verdade, o comércio veio fazendo investimentos
muito grandes no café ao longo desses 100 anos",
analisa Braga.
O fato - resume o presidente - é
que o CCCRJ surgiu, a princípio, mais como
uma necessidade prática do que como um fator
de representatividade política. Surgiu da necessidade
de ordenar o comércio, a bolsa, etc. E tinha
- como ainda tem - funções muito claras,
como fazer a classificação, produzir
estatísticas e levantamentos de mercado, e
municiar o associado com informações
de contratos com as bolsas internacionais. "Tínhamos
até estrutura para beneficiamento de café",
diz Braga, acrescentando que somente depois, como
decorrência natural, veio o papel político,
inclusive do comércio do café dentro
do setor e na política do café.
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Expansão e intervenção
A crescente importância econômica
do café (e também social) acabou por
ampliar a interferência do governo no mercado.
A partir da formação do IBC - Instituto
Brasileiro do Café, em 1952, o governo se transformou
no comprador tradicional dos excedentes de safra,
e passou a fomentar os financiamento para o plantio,
para erradicação, etc.
"Eu acho que esta interferência
foi, de certa forma, necessária. Afinal, falar
hoje de um estoque governamental de 60 milhões
de sacas parece loucura. Porém, era a realidade,
e esse crescimento do negócio de café
exigia o atendimento de algumas necessidades do setor,
como a construção de armazéns,
o fomento à pesquisa e à assistência
técnica. Com isso, o poder de influência
do IBC cresceu de tal forma que se fazia sentir em
todos os níveis da agricultura, algumas vezes
com acerto, outras não".
Porém, mesmo nos períodos
de intervenção mais forte do governo
(quando das épocas de superprodução,
por exemplo), quem detinha conhecimento técnico
e prático do mercado eram os exportadores que,
por isso, acabaram tendo grande influência nas
elaborações das políticas. "Nesse
contexto, o CCCRJ foi mudando seu papel ao longo do
tempo, passando a ser, além de um prestador
de serviços, um importante órgão
de representação".
Por
outro lado, a atuação do governo foi
crescendo de tal forma que se tornou um poder tentacular.
"Um processo difícil de parar ou mesmo
de limitar essa atuação", recorda
Braga. Foi nesse momento que o papel das entidades
de classe passou a ser também o de tentar se
defender desse poder de interferência estatal.
"Mas, mesmo esse espaço começou
a ser perdido junto ao poder. Antes, os representantes
do setor falavam com o Presidente, depois com o Ministro,
depois com o IBC, etc. O setor continuava importante,
influindo, mas era um contato de certa forma mais
complexo".
É quando os diversos centros comerciais de
café, espalhados por Santos, Vitória,
Paranaguá, Varginha, além do CCCRJ,
começam a discutir a possibilidade de uma representação
nacional. "Os exportadores começaram a
discutir essa idéia de uma representação
unificada, com um poder de atuação maior,
com sustentação estrutural mais eficiente,
e a primeira entidade que surgiu foi a Febec - Federação
Brasileira dos Exportadores de Café, sob afirme
liderança de Carlos Calmon, uma das figuras
mais notáveis do comércio anterior e
que anos antes (85) presidiu o CCCRJ".
Esse processo coincide com o auge
da influência estatal e é simultâneo
à perda da capacidade de agir livremente de
autarquias como o IBC e o Banco do Brasil. "Uma
série de medidas do mercado cafeeiro já
tinha que ter o aval do Conselho de Política
Monetária, etc. E quando se perde a liberdade
de ação, se perde também a eficiência
operacional. Até que chegou o momento em que
o próprio governo concluiu que instituições
como o IBC não tinham mais como operar eficientemente".
Para Guilherme Braga, quando houve
a extinção do IBC, em 1990, no governo
Collor, a grande maioria dos exportadores e dos agentes
do agronegócio café queria mesmo se
ver livre da autarquia. O problema foi a forma abrupta
com que ocorreu. "Houve um vácuo",
diz. "Mas, de uma forma ou de outra, as coisas
foram se ajustando, apesar disso tudo ter também
coincidido com o fim do Acordo Internacional do Café,
o que trouxe um caos para o mercado".
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APPC e ações do CCCRJ
O fim do AIC, que deprimiu ainda mais
as cotações no mercado internacional,
fez surgir um movimento de união entre os países
produtores de café, que resultou em uma reunião,
realizada no CCCRJ em 1993, na qual se montou um plano
de retenção das exportações
e se a criou o perfil inicial do que viria a ser a
APPC - Associação dos Países
Produtores do Café.
"Com isso, de 1994 a 2000, o
mercado manteve-se firme. Claro que ocorreram outros
fatores internacionais, e também climáticos,
como geadas, etc., mas nunca houve um período
tão longo de preços altos". Enquanto
isso, se estruturou internamente o atual CDPC - Conselho
Deliberativo de Política Cafeeira, com representatividade
do setor privado e a colaboração do
governo em termos de entender os problemas do café.
Por outro lado, o setor exportador,
que em meados dos anos 90 havia se dividido internamente,
e com isso fragilizando a estrutura e a representação
do comércio, acabou formando uma nova entidade,
o Cecafé - Conselho dos Exportadores de Café
Verde do Brasil que teve a virtude de reunificar a
classe.
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Os novos obstáculos
Atualmente, novos desafios se impõem
ao comércio e ao agente exportador, e o CCCRJ
já arregaça as mangas para enfrentá-los.
"O café passa por uma nova fase de preços
baixos, além de sofrer barreiras tarifárias
e não-tarifárias em importantes mercados
compradores - barreiras essas que começam a
ser analisadas pela própria Organização
Mundial do Comércio", diz Guilherme Braga.
O maior problema, segundo o presidente,
é o processo de concentração
oligopsônica do mercado internacional que vem
se acentuou enormemente. "O mercado de café
está concentrado em um pequeno grupo de compradores,
que adquire grandes volumes, o que lhe dá uma
grande vantagem negocial. Temos lá fora, por
exemplo, quatro ou cinco grupos empresariais que representam
60% do consumo mundial. São empresas multinacionais,
que estão em todos os países e que concentram
suas compras. Então, temos um só comprador
de 500 mil sacas, em vez de vários comprando
50 mil sacas, como ocorria antes".
Com isso, o momento atual exige uma
nova mudança - ou adaptação -
do profissional do comércio exportador. "Na
realidade, o mercado mudou muito e de forma rápida",
avalia Guilherme Braga. "Antes, quem vinha comprar
entendia de café. Escolhia o tipo, a bebida,
zelava pela sua fonte fornecedora, e pagava por isso.
Hoje, quem faz a compra é o profissional do
departamento financeiro, a quem só interessa
saber de taxa de juros, de estoque, fluxo operacional,
etc. A estrutura que tínhamos então,
para exportação, hoje de pouco serve.
Antes, o exportador daqui conversava com o general
manager da General Foods. Hoje ele fala com o encarregado
de café do departamento de tráfego...",
lamenta Guilherme Braga.
A
"magia" que sempre envolveu o comércio
de compra e venda de café, com os parceiros
conhecendo e experimentando todas as características
de aroma e sabor da bebida, está sendo substituída
pelo desempenho técnico pré-determinado,
pela pura e simples cotação em bolsa.
"O negócio se sofisticou em termos financeiros,
e não no que se precisa saber sobre café",
diz o presidente. O profissional de exportação
hoje tem que entender de mercados, dominar opções,
engenharia financeira, etc. "É outro cenário,
e o trader hoje tem que ter uma formação
de agente financeiro. E participar dessa transformação
é o novo desafio que o CCCRJ assume",
conclui.
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