(continuação)
CCCRJ - Nessa época, quais
eram os grandes consumidores de café mundialmente?
Como o mercado estava distribuído?
Ruy
Barreto - Até o final do século
XIX era circunscrito ao Oceano Atlântico e às
nações do Mundo Ocidental. E essa região
representava um terço da humanidade. Os outros
dois terços tomavam chá. Havia necessidade,
então, de entrar nessas outras regiões,
pois era a única forma de solucionar o problema
dos excedentes de produção. Mas, quando
se começou a fazer essa promoção,
veio a Primeira Guerra Mundial. Após isso,
houve a maior geada que o Brasil teve em sua história,
em 1918. Foi nessa época que a Colômbia
entrou no mercado norte-americano, deslocando nosso
café e foi também que, um pouco antes,
houve a Revolução Russa e, com isso,
perdemos a oportunidade de entrar nesse grande mercado.
No Brasil, ao mesmo tempo, seguiu-se um ciclo conturbado
com a crise de 29, a depressão econômica
que se seguiu e, depois, a com a Segunda Guerra.
CCCRJ
- O século XX foi, portanto, ao contrário
do século XIX, um período bastante difícil
para o café. Quais foram as conseqüências
disso?
Ruy
Barreto - Foi muito conturbado e foi justamente
neste período que entidades como o CCCRJ prestaram
um serviço extraordinário. Imagine se
o café entrasse em bancarrota nesta época?
O Brasil era completamente dependente do produto.
Sem o café o País não teria como
importar petróleo, por exemplo. O café
agüentou tudo sozinho. Até porque, após
a Segunda Guerra Mundial, veio o período da
Guerra Fria, o Muro de Berlim, que simbolicamente
"separou" o mundo em Ocidental, que tomava
café, e o lado de lá, que tomava chá.
E não foi só. Internamente, vivemos
ainda uma série de anos conturbados, com a
renúncia do Jânio Quadros, com o governo
Jango, e aí novamente o café teve um
papel muito importante, porque o dinheiro gerado pelo
produto ampliou o parque industrial brasileiro, um
trabalho que havia sido iniciado por Juscelino. Com
isso tudo, só agora se voltou a pensar na conquista
de novos mercados. Mas hoje nós esbarramos
com outro problema, que é a falta de compreensão
do governo para com o papel do café na economia.
Não se tem com quem falar no governo sobre
café, até porque o produto representa
hoje apenas 3% das exportações. Só
que são "apenas 3%" para aqueles
que não entendem o que o café significa
como gerador de empregos e como distribuidor de renda.
CCCRJ - O papel social do café,
neste século, tornou-se até mais importante
do que o papel de gerador de recursos para a economia
global, como no caso das exportações?
Ruy
Barreto - Sem dúvida. No caso do Rio
de Janeiro, o efeito da decadência da produção
de café fluminense foi determinante, por exemplo,
para a situação social em que o Estado
se encontra hoje. O abandono da cafeicultura contribuiu
para a formação das mais de 600 favelas
no Rio de Janeiro. Se você perguntar de onde
vieram essas pessoas, vai ver que vieram de Campos,
Itapiruna, etc, regiões que antes produziam
café.
O preço que pagamos pelo não incentivo
à cafeicultura no Rio, e pela falta de uma
política agrícola global no Brasil,
é o caos urbano, o inchamento das cidades,
o aumento da insegurança. E o problema é
que não há diálogo com o governo
sobre essa questão. Não se pode esquecer
que o governo tem um papel importante na gestão
da política cafeeira e na política agrícola
em qualquer lugar do mundo. A maioria dos países
zela por sua produção agropecuária.
Hoje se vêem as grandes discussões mundiais
em torno dos subsídios agrícolas. E
o fato é que a agricultura tem que ser subsidiada
mesmo, porque ela tem um papel social muito relevante.
E numa nação é necessário
estabelecer uma política clara para qualquer
tipo de produção, que tem aspectos econômicos,
a questão política e a questão
ética, que engloba o social.
CCCRJ
- O senhor foi um dos pioneiros do mercado
de café solúvel brasileiro. Como foi
a entrada neste mercado e qual o papel dele na abertura
de novos mercados?
Ruy
Barreto - Dentro da política de abrir
novos mercados, optou-se por procurar uma forma de
fazer com que a dona-de-casa que consumia chá
tivesse a opção de um tipo de café
cujo preparo se equiparasse em termos de praticidade.
Então surgiu a idéia do café
solúvel, no final da década de 60. Na
época já se produzia, mas pouco. A Nestlé
tinha uma fábrica no Brasil e, mesmo mundialmente,
o consumo era pequeno. E o mercado, nestas alturas,
já tinha mudado um pouco. Países como
Rússia, China, Polônia e outros, apesar
de ainda nos encontrarmos no período da Guerra
Fria, estavam de certa forma mais acessíveis,
ou pelo menos já era possível entrar
nestes países. E a conquista dos mercados consumidores
de chá só se daria por meio do solúvel.
Foi feita então uma concorrência pública
e 12 indústrias brasileiras tiveram a concessão
- entre cerca de 70 que participaram - e a minha,
a Café Solúvel Brasília, em Minas
Gerais, foi uma das ganhadoras. Fizemos um trabalho
muito bom, partimos para o mercado internacional de
forma pioneira e todos tivemos que buscar tecnologia,
que aprender a fazer o solúvel, inclusive buscando
técnicos lá fora, porque não
havia know-how no País. Mas conquistamos os
mercados que queríamos, como Inglaterra, Rússia,
Japão e, no caso dos Estados Unidos, o sucesso
do produto lá foi uma surpresa, pois eles já
tinham empresas de solúvel. Mas nós
exportamos mais para eles do que para outros países.
CCCRJ
- Como o senhor vê o futuro da cafeicultura
no Brasil?
Ruy
Barreto - Acho que o mais importante é
entender o papel social e econômico que o café
tem. Hoje estou muito mais ligado à indústria
do café solúvel, mas lamento que a produção
cafeeira do Rio tenha declinado da forma como declinou.
E o CCCRJ prestou e ainda vai prestar um serviço
inestimável ao Rio e ao Brasil. Acho que os
100 anos do Centro deveriam ser comemorados nacionalmente.
Porque foram esses homens que deram condições
a que o País seja o que é hoje. Como
eu já disse, não há, na história,
similar de um país que tenha saído da
condição de mera colônia inviável
economicamente e em 200 anos assumisse uma das dez
maiores economias mundiais, e isso graças a
um produto que impulsionou todo o seu desenvolvimento
posterior. Além disso, o café fez a
interiorização do País, saindo
do litoral e fazendo com que o desenvolvimento entrasse
pelo Brasil adentro. E essa é uma epopéia
de homens. De grandes homens. Muito antes de o governo
entrar intervindo e incentivando o mercado de café,
foram os cafeicultores que investiram seu dinheiro
no café. Exalta-se muito hoje o aspecto do
luxo proporcionado pelo café à elite
cafeeira, mas esquece-se a saga que esses homens fizeram
do nada. Temos que nos orgulhar da grandeza que o
café gerou. O Brasil é produto desse
trabalho. Esta é a história que temos
que contar e que temos que levar adiante.
|